terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A inevitabilidade da Superliga Europeia

Recentemente, Domingos Soares Oliveira, o CEO da SAD do S.L. Benfica, foi eleito para a direcção da Associação Europeia de Clubes de futebol. Esta eleição é prestigiante para o próprio e para o Benfica, assim como, no passado, o foi para Fernando Gomes e F.C. Porto, quando o actual presidente da Federação Portuguesa de Futebol era administrador da SAD portista e desempenhou as mesmas funções na ECA.

Para Domingos Soares Oliveira, existem “vários desafios, alguns específicos e outros comuns”, entre os quais destacou três, o que me leva a pensar que serão aqueles que, no futuro próximo, mais serão discutidos entre os membros da associação: A possibilidade de existência de uma Superliga e o acesso à mesma; os centros de treino de excelência de jogadores; e a janela de transferências. Quanto aos dois últimos, serei breve.

Relativamente aos centros de treino de excelência de jogadores, parece-me que a FIFA e a UEFA deram os passos possíveis no sentido da valorização do trabalho desenvolvido pelos clubes formadores. A primeira através da criação do mecanismo de solidariedade, em que 10% do valor total de cada transferência é entregue ao(s) clube(s) formador(es). A segunda ao excluir as despesas inerentes à formação de jogadores no âmbito da avaliação do chamado fairplay financeiro. Ir mais longe seria difícil, até porque, na União Europeia, há livre circulação de pessoas. A ECA, sim, poderá ter uma palavra a dizer nesta matéria, caso os seus membros se decidirem por uma espécie de pacto de não-agressão.

Quanto à janela de transferências, todos os anos assistimos a negócios entre clubes em cima do prazo do fecho do mercado, quando as competições estão já em andamento. Na sua génese, os prazos foram definidos com uma intenção benigna: Os clubes, após os primeiros jogos da temporada, estariam mais aptos a identificarem eventuais lacunas nos seus plantéis e supri-las recorrendo à aquisição de jogadores. Teriam também mais tempo para avaliarem se os jogadores teriam qualidade, ou não, para integrarem os plantéis. No entanto, a realidade extravasou o plano das intenções, resultando numa desigualdade evidente entre os clubes mais endinheirados e a sua concorrência, ao estenderem ao máximo as negociações até um momento que, se pressionados pelo prazo limite, pagam as cláusulas de rescisão e arrumam a questão. Tal parece benéfico para os clubes vendedores, dando a impressão que poderão limitar-se a esperar por 31 de Agosto e rentabilizarem ao máximo os seus activos. Porém, deparam-se com dois constrangimentos que condicionam a sua actuação no mercado: Por um lado, a incerteza da venda de determinados jogadores e a finitude dos recursos impede-os de contratarem substitutos sem terem a garantia de que venderão os tais jogadores. Por outro, os atletas, cientes de que estarão perto de passarem a auferir salários mais elevados, pressionam os dirigentes para que estes se decidam pela venda do seu passe. Se antecipar o prazo do fecho de mercado é a solução mais óbvia, creio que a criação de um mecanismo intermédio poderia ser a ideal. Por exemplo, nas duas semanas finais da janela de transferências, a capacidade de investimento dos clubes estar limitada a uma percentagem do montante total despendido ou recebido desde a reabertura do mercado de transferências pela aquisição ou alienação de passes.

Mas a Superliga Europeia de futebol é a grande questão e sempre tive a sensação que foi com o propósito da criação da mesma, ou talvez apenas com a possibilidade de ameaça da sua criação enquanto instrumento de pressão junto da UEFA, que a Associação Europeia de Clubes foi criada.

O futebol é gerido, a nível mundial, pela FIFA. Dela fazem parte mais de duas centenas de associados (as federações de futebol de cada país), que se agrupam por confederações, como é o caso da UEFA, da qual a Federação Portuguesa de Futebol faz parte. A FIFA, criada em 1904, é responsável pela organização do futebol e de competições internacionais, nomeadamente os Campeonatos do Mundo de selecções e clubes. A UEFA, fundada em 1954, organiza as competições europeias de clubes, além do Campeonato da Europa de selecções. No entanto, contrariamente ao que parece ser evidente, o monopólio da organização das competições internacionais resulta somente da antecipação e não de qualquer outra razão. O primeiro Campeonato do Mundo foi realizado em 1930, passados 26 anos da fundação da FIFA. A UEFA organizou o primeiro Campeonato da Europa em 1960, seis anos depois de ter sido criada, e até a sua primeira competição europeia de clubes, a Taça dos Clubes Campeões Europeus, só passou a estar na égide da UEFA em 1956, na sua segunda edição, pois a primeira fora da iniciativa do jornal francês L’Équipe. Aliás, já antes se haviam disputado provas oficiais, porque organizadas por federações, de âmbito internacional, como foram os casos das taças Mitropa ou Latina, a qual foi conquistada pelo Benfica em 1950.

Resumindo, a FIFA foi fundada nos primórdios do futebol (só em Inglaterra já se disputavam competições há décadas), num tempo em que o contacto entre as poucas equipas existentes em cada país era muito limitado. Mesmo a UEFA, criada meio século depois, quando as competições nacionais já atingiam alguma maturidade e já se haviam realizado algumas experiências de competições internacionais, conquistou o seu espaço pela quase inexistência desse género de provas, tornando-se, à semelhança da FIFA, monopolista da organização de competições.

Nas raras ocasiões em que a eventual criação de uma Superliga Europeia de futebol é tema de análise em Portugal, logo são apontados supostos constrangimentos à sua criação baseados numa pretensa impossibilidade dos clubes em tomarem uma iniciativa desse cariz e, assim, enfrentarem a UEFA. Por vezes até se reconhece que os clubes poderiam ter a capacidade de se organizarem e tentarem promover uma competição internacional entre si, mas logo são apontadas inúmeras possibilidades de retaliação da UEFA e FIFA que inviabilizariam logo à partida o arrojo dos clubes. Esquecem-se, no entanto, que quem manda efectivamente no futebol são os adeptos porque são eles os consumidores de futebol. E as suas motivações estão bem tipificadas: afecto clubista e prazer de ver os melhores artistas. Ora, se os adeptos pagam para ver a sua equipa ou os seus jogadores preferidos, pagarão independentemente de quem organiza as provas. Os jogadores e treinadores quererão representar os clubes que melhor lhes pagarão e esses serão os que conseguirão granjear maiores receitas, independentemente, mais uma vez, de quem organiza as competições. Não se trata de um lirismo, já aconteceu no basquetebol, cuja popularidade à escala europeia está abaixo do futebol, mas muito acima de qualquer outra modalidade. E tanto a FIFA e a UEFA como os clubes de futebol conhecem perfeitamente o caso do basquetebol europeu.

Em 1991, foi criada a ULEB, a associação de ligas europeias de basquetebol. O passo foi dado pelas ligas de clubes de Espanha, Itália e França, as quais, nos anos seguintes, viram juntar-se-lhes as de outros países (a grega foi a primeira, em 1996). O seu propósito foi assumido desde o início: Organização de competições europeias de basquetebol à margem da FIBA e da FIBA Europa, as congéneres da FIFA e da UEFA na modalidade. E a razão foi clara: Os clubes não identificavam qualquer vantagem na existência de um intermediário para gerir os seus interesses comuns, nomeadamente a captação de receitas. Finalmente, em 2000, a ULEB anunciou a criação da Euroliga.

Claro está, a FIBA Europa não assistiu impávida e serena às movimentações dos clubes. Foi de ameaça em ameaça e de retaliação gorada em retaliação gorada até à capitulação final. A tentativa derradeira foi a de ameaçar as federações dos países cujos clubes participam nas competições da ULEB de não poderem competir nas provas internacionais de selecções, tentando assim que fossem os jogadores a pressionarem os clubes para que a FIBA voltasse a organizar as principais competições europeias de clubes. Como se esperava, jogadores e treinadores, como profissionais que são, obedeceram a quem mais lhes pode pagar e não demonstraram interesse suficiente em provocarem uma reversão do modelo competitivo de clubes a nível europeu. Já antes a FIBA Europa havia tentado impedir os clubes de participarem nas competições nacionais, mas imagine-se, por exemplo, o campeonato nacional de futebol português sem Benfica e Porto…

No presente, a ULEB organiza duas competições, a Euroliga, com 16 equipas (os finalistas disputam 35 a 37 jogos) e a Eurocup, com 24 clubes. Dos 16 clubes participantes na Euroliga, 11 são fixos (Barcelona, Baskonia e Real Madrid de Espanha, Olympiacos e Panathinaikos da Grécia, Anadolu Efes e Fenerbahce da Turquia, Maccabi Tel Aviv, Olimpia Milano, CSKA e Zalguiris de Israel, Itália, Rússia e Lituânia respectivamente) e os restantes são apurados através da Eurocup, da classificação nos campeonatos nacionais ou por convite. Na prática, a ULEB garante que, na sua principal competição, participam os 16 melhores clubes de basquetebol na Europa em cada ano, isto é, os que não só têm teoricamente melhores equipas como os que garantem mais público e maior investimento (por exemplo, em 2016, os maiores orçamentos foram do CSKA, Fenerbahce e Real Madrid, com 35, 27 e 23 milhões de euros respectivamente). Tudo isto sem que uma entidade intermediária fique com uma fatia significativa das receitas provenientes dos patrocinadores e direitos televisivos.


A UEFA, beneficiando do exemplo da experiência nefasta para a FIBA Europa, tem sido mais inteligente que a sua congénere e, ao invés de entrar em conflito com os clubes, tem aumentado a percentagem das receitas distribuídas aos clubes participantes na Liga dos Campeões e da Liga Europa. Um dia não haverá acordo, resta saber quando.

Vida Económica - 22/9/2017

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