terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Temporada encerrada

A minha última crónica foi escrita na ressaca da conquista benfiquista do tetracampeonato, um feito que os encarnados, ao contrário de Sporting e F.C Porto e apesar de serem os mais titulados a nível nacional, nunca haviam conseguido. Faltava ainda a disputa da final da Taça de Portugal e, desde então, ocorreram esse e outros eventos que me parecem significativos relativamente a uma série de temas já abordados em crónicas anteriores.

Começo pelo lado desportivo. A chamada dobradinha alcançada pelo Benfica fortaleceu a ideia de que as águias atravessam um período hegemónico no futebol português. Além destes títulos, somou ainda o troféu da Supertaça, só falhando a renovação do título da Taça da Liga, sendo derrotado surpreendentemente pelo Moreirense – que acabaria por triunfar na final – nas meias-finais, que nem F.C.Porto ou Sporting marcaram presença. Se estendermos a análise às últimas quatro temporadas, verificamos que o Benfica venceu 11 das 16 provas do calendário futebolístico (4 Campeonatos Nacionais, 2 Taças de Portugal, 3 Taças da Liga e 2 Supertaças). O Sporting venceu uma Taça de Portugal e uma Supertaça, o F.C. Porto ficou-se por uma Supertaça, o Vitória de Guimarães celebrou uma vitória no Jamor e o Moreirense, como referido anteriormente, ergueu o troféu da Taça da Liga uma vez. São números impressionantes e tornam irrefutável a interpretação quanto ao domínio desportivo exercido pelo Benfica nos últimos anos.

A realização da final da Taça de Portugal fez-me recordar que houve, em tempos, um movimento, que não chegou a mexer-se, para retirá-la do estádio Nacional. Do meu ponto de vista, essa decisão teria sido errada.

Desde logo pelo simbolismo, por ser um palco especial que, desde 1946, só por cinco vezes foi preterido em detrimento de outros (em 1961, no estádio das Antas, a pedido do F.C. Porto acedido pela FPF; em 1975, 1976 e 1977, ou seja, nas três primeiras temporadas completas após o 25 de Abril, uma espécie de castigo a uma infra-estrutura simbólica do Estado Novo, optando-se pelo estádio do vencedor da edição anterior, embora as últimas duas tenham sido realizadas nas Antas porque a FPF considerou o estádio do Bessa pequeno para acolher a final; e em 1983, novamente nas Antas e a “pedido” do FC Porto, que ameaçou não comparecer caso a final fosse disputada no Jamor).

Ainda no âmbito do simbolismo, vale a pena referir que a definição de uma espécie de sede permanente para a final da Taça confere à competição uma aura suplementar. Isso nota-se no discurso de dirigentes, treinadores e jogadores antes e depois de uma eliminatória. A expressão “chegar ao Jamor”, recorrentemente utilizada pelos vários intervenientes, é sinónimo de apuramento para a final da Taça, emprestando à prova e, principalmente, aos clubes que disputam a final, uma certa exclusividade.

E há ainda toda a envolvência da final. No Jamor, as condições para promover a confraternização entre adeptos são excelentes. Estima-se que cerca de metade dos espectadores passam o dia na mata em redor do estádio, o que nos remete para a nostalgia de um futebol que já não existe, quase completamente engolido pelo chamado “futebol moderno” e as suas exigências ao nível da segurança. Uma vez por ano, os adeptos de dois clubes podem, em parte, experimentar pela primeira vez ou reviver os hábitos de antigamente, de um tempo em que o futebol era um desporto das e para as massas, sem constrangimentos significativos à forma como se viviam os jogos.

Com a colocação de cadeiras nas bancadas, a lotação do estádio foi reduzida drasticamente. Os números oficiais apontam para 37593 lugares, ainda assim o quarto maior em Portugal, o que significa que aplicando o critério da capacidade, só a Luz, o Dragão e Alvalade poderiam ser utilizados para o evento. O problema do acesso pela praça Maratona, em que era costume gerar um rol de queixas de adeptos devido ao afunilamento de pessoas provocado pela má concepção da entrada e a demora que a revista das forças de segurança implica, foi bem solucionada nos últimos dois anos, não se registando problemas de maior. Sobra o estado do relvado, geralmente aquém do exigível, a inadequação dos balneários, mas não ao ponto de inviabilizar a sua utilização pelas equipas, e a inexistência de cobertura que proteja os adeptos da chuva, caso exista, o que é incomum no final de Maio / princípio de Junho na região de Lisboa (curiosamente, esta época choveu copiosamente ao longo de toda a partida).

Termino as minhas observações acerca do evento e do seu local de realização com uma crítica que não vi ser feita por mais ninguém, mas que me parece pertinente por se tratar, do meu ponto de vista, de um desperdício de tempo e dinheiro. O espectáculo que precede a final é, geralmente, de uma pobreza confrangedora. Além da habitual coreografia, tipicamente caracterizada por uma quantidade inusitada de participantes, mas sem qualquer interesse estético, além de não entreter o público, não beneficia certamente o relvado. Cumulativamente, há um certo anacronismo na exibição militar, em que umas habilidades com dois helicópteros antigos, segundo julgo saber, Allouette III, dos anos 60(?) e a passagem de aviões têm como ponto alto a expelição de fumo. Não deverá ser bom para o ambiente e muito menos torna compreensível o afã da proibição da abertura de tochas nas bancadas, crime para o qual o quadro legal prevê multas e inibição de frequência dos estádios para os prevaricadores. E já nem refiro a eventualidade de ocorrência de um acidente de um dos helicópteros ao pairarem quase sobre as bancadas, pois parto do princípio que não haverá qualquer risco para os milhares de adeptos ali presentes. Como bem diz um amigo meu: “São perfeitamente seguros, só caem de vez em quando”.

Também a vertente feminina do futebol terminou a temporada e o Sporting, vencedor do Campeonato Nacional e Taça de Portugal, acabou por chamar a minha atenção pelo seu assinalável sucesso, assim como um acontecimento, alheio aos leoninos, que diz muito sobre o desporto em Portugal.

É comum os clubes de futebol campeões nacionais e/ou vencedores da Taça de Portugal serem recebidos nos Paços do Concelho a que pertencem. Uma honra concedida aos vencedores, mas que menoriza os restantes desportos. Neste caso, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu bem ao homenagear a equipa feminina do Sporting, mas foi desolador ver a praça vazia pois mereciam, pelo seu esforço e valor, reconhecimento do público. Além disso, creio que os pressupostos da decisão foram errados.

Estou a entrar no domínio da especulação, mas parece-me que o evento se deveu ao acautelamento de eventuais críticas dos responsáveis sportinguistas. Ora, desde que a equipa de futebol do Benfica foi recebida na praça do município, houve campeões de andebol, basquetebol e voleibol (Sporting, Benfica e Benfica, respectivamente), só para citar as modalidades mais populares, e não é público que se tenha sequer cogitado a possibilidade desses campeões se deslocarem à Câmara. São estes pormenores que, todos somados, ajudam a cavar um fosso enorme entre o futebol e os restantes desportos em Portugal, oferecendo de bandeja ao primeiro, em detrimento dos restantes, o quase monopólio do mediatismo, o que se torna pernicioso para o desporto português.

Neste mês tivemos ainda, como factos mais salientes, a reabertura do mercado de transferências no futebol e as sanções da UEFA ao FC Porto no âmbito do fairplay financeiro. Certamente que explorarei estes temas em crónicas futuras, mas o espaço disponível permite-me apenas escrever o seguinte:
- Até ver, o Benfica já vendeu Ederson e Lindelöf, o Sporting cedeu Rúben Semedo e o FC Porto alienou o passe de André Silva. É sinal de que os clubes de campeonatos mais endinheirados estão atentos ao futebol português e também que grassa, embora por razões diferentes consoante o clube, uma certa incapacidade para reter talento futebolístico em Portugal.
- Conforme expectável, o FC Porto foi sancionado pela UEFA devido ao incumprimento do fairplay financeiro. Surpreende-me, sobretudo, que haja quem se mostre surpreendido, pois, em princípio, as contas não mentem. Além de vendas avultadas e de um recuo no investimento, os portistas terão que reduzir significativamente a folha salarial, a mais alta em Portugal nas últimas temporadas.

Vida Económica - 23/6/2017

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