Posta de lado que está, ou pelo menos adiada por muitos
anos, a centralização da exploração dos direitos televisivos, está também
afastado o cenário de uma nivelação por baixo do futebol português. Bem sei que
esta teoria que advogo é contrária à maioria dos opinadores e, em tese, eu
próprio discordaria de mim. O problema reside em vivermos no mundo real e,
nesse contexto, analisando criticamente o nosso futebol, centralizar a
exploração dos direitos televisivos seria, para utilizar a gíria comum,
construir a casa pelo telhado.
Acima de tudo falta, ao nosso futebol, mercado. Vivemos num
país fustigado por medidas de austeridade e, consequentemente, poder de compra
reduzido, que resulta num aparente paradoxo de “todos” discutirmos futebol mas
poucos estarmos dispostos a nos tornarmos consumidores. Repito uma ideia
defendida numa das minhas crónicas anteriores: Os portugueses gostam do
clubismo, da rivalidade e, sobretudo, da polémica. A maioria não gosta ou não
se interessa verdadeiramente por futebol. Não está, pelo menos, disposta a
tornar-se consumidora frequente.
Ao analisarmos os registos de espectadores em cada estádio
em partidas a contar para o Campeonato Nacional, verificamos que, por esta
ordem de grandeza, apenas Benfica (47.199), Sporting (37.702) e Porto (35.267)
apresentam médias superiores a 35 mil. Vitória de Guimarães (12.481) e Braga
(10.268) ocupam as posições seguintes quedando-se por médias inferiores a
12.500. Dos restantes clubes, só Marítimo (5.854) e Boavista (5.104)
ultrapassam os 5.000 e, acima dos 4.000, apenas o Tondela (4.100). Estes dados
poderão sofrer ligeiras alterações até ao final da temporada, pois nem todos os
clubes foram já visitados pelos três maiores clubes portugueses, em particular,
na presente época, o Benfica, cuja massa adepta se notabiliza pela sua grandeza
e constante dedicação em todo o país e o Sporting, devido ao entusiasmo gerado
entre os seus adeptos pela possibilidade de regresso ao título nacional após 14
anos.
Mas mais que o incipiente mercado interno, falta, ao futebol
português, notoriedade no estrangeiro, nomeadamente na Ásia, mas também na
Europa. Bastará reparar na publicidade estática nos campos ingleses (muitas
vezes escritos em mandarim e vietnamita, por exemplo) para se perceber que é
nesse continente que se geram os valores astronómicos recentes dos contratos
televisivos e publicitários. Essa notoriedade, contrariamente ao que considero
ser uma ideia feita, não está relacionada com a competitividade dos
campeonatos, mas antes com uma percepção de qualidade das equipas e jogadores.
Por outras palavras, a poucos interessará no estrangeiro que
um Benfica – Paços de Ferreira, um Tondela – Porto ou um Marítimo – Sporting
seja um grande jogo de futebol e de desfecho imprevisível. A percepção de
qualidade é reduzida ou mesmo inexistente. Inglaterra será a excepção, mas não
se poderá afirmar que os campeonatos alemão (Bayern), francês (PSG), espanhol
(Barcelona e Real Madrid) ou italiano (Juventus) se notabilizem pela
competitividade. O que existe é a noção de que se está perante as melhores
equipas e melhores jogadores da actualidade e essa é granjeada através do
desempenho na Liga dos Campeões, prova em que, desde que é disputada nos moldes
actuais (várias equipas por país e fase de grupos), se tornou rara a presença
de mais do que uma equipa portuguesa nos oitavos-de-final.
Centralizar a exploração dos direitos televisivos poderia,
em termos desportivos, equilibrar artificialmente o campeonato português, mas
implicaria, provavelmente e se não fossem devidamente acauteladas as proporções
do potencial de captação de receitas de cada clube, uma redução da
competitividade de Benfica, Porto e Sporting nas competições europeias, o que
teria como principal consequência o agravamento da relativa obscuridade do
nosso futebol nos mercados em que é gerada a capacidade de investimento em
publicidade e televisão.
A agudizar este cenário, verificam-se dois fenómenos
recentes que poderão restringir ainda mais o desenvolvimento do futebol
português. Desde logo o crescimento galopante das receitas televisivas no
campeonato inglês. E também o investimento de clubes de países emergentes (no
contexto futebolístico) que poderá desvirtuar a realidade presente.
O novo contrato da Premier League, que entrará em vigor na
próxima temporada e terá a duração de três anos, atinge o montante exorbitante
de 6.625 mil milhões de euros (ao câmbio actual), representando um crescimento
de cerca de 70% em relação ao contrato anterior. Em 2014/15, de acordo com o
relatório “Football Money League” elaborado pela Deloitte, 17 dos clubes
presentes no top30 são ingleses. Eram 14 na temporada anterior e estimo que
serão entre 20 a 22 na próxima.
Dos clubes portugueses, apenas o Benfica constou nesta lista
em 2014/15 (26º com 126M€ de receitas totais), à semelhança de 2113/14 e
2012/13 (26º, 109.2M€ e 22º, 111.1M€, respectivamente). Em 2014/15, o Napoles,
30º da lista, facturou 125.5M€, o que indicia que a ausência benfiquista se
deveu à quebra de receitas obtidas na Liga dos Campeões, numa temporada em que
conquistou somente cinco pontos na fase de grupos e viu-se eliminada
precocemente das competições europeias. É expectável que volte a marcar
presença no top30 em 2015/16, mas duvido que se mantenha na seguinte devido à
entrada em vigor do novo contrato televisivo da Premier League. Aliás, no mesmo
relatório é afirmado que é improvável que mais do que um ou dois clubes que não
pertençam às cinco maiores ligas (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e
França) constem nesse ranking nos próximos anos.
Creio que a maior parte do bolo será entregue aos jogadores
(aumento dos ordenados). Além do mais, há um limite para a participação de
equipas por país na Liga dos Campeões e a constituição dos plantéis é limitada.
No entanto, mesmo que não se verifique um aumento significativo de grandes
jogadores na Premier Legue, haverá provavelmente um crescimento do valor médio
dos ordenados nos principais campeonatos europeus, afastando-os ainda mais da
capacidade dos clubes portugueses de com eles competirem.
Esta não é uma nova realidade, será somente enfatizada,
tendo os principais clubes portugueses mostrado, ao longo de muitos anos,
deterem a capacidade para se reinventarem, apostando jogadores de mercados mais
frágeis, formando-os e vendendo-os por elevados montantes, possibilitando, dessa
forma e apesar das disparidades no nível de investimento, marcar presença
regular na fase de grupos da Liga dos Campeões.
O maior problema actualmente está relacionado com o
investimento galopante de clubes de países que, ainda há poucos anos, não contavam
para este cenário. Em particular, a China, onde foram registadas cinco das seis
maiores transferências no último mercado de inverno (atenção que só fecha a 26
de Fevereiro), protagonizadas por jogadores longe de serem considerados em
final de carreira (por exemplo, Alex Teixeira, do Shaktar Dontsk, Ramires, do
Chelsea, Jackson Martinez, do Atlético de Madrid ou Gervinho, da Roma). Dados
os valores envolvidos (50M€, 42M€, 28M€ e 18M€ respectivamente para os exemplos
citados), é caso para os adeptos europeus de futebol agradecerem o limite de
estrangeiros imposto pelas autoridades chinesas (cinco por equipa, sendo que um
tem que ser da conferência asiática), sob pena de, se este limite for abolido,
o futebol ser recentralizado. A escalada dos ordenados e preços das
transferências, bem como o surgimento de 16 clubes com maior poder de
investimento (64 jogadores “não asiáticos” de acordo com as regras actuais)
reduz a capacidade dos clubes portugueses em adquirir bons jogadores. O mesmo
se aplica aos clubes russos.
Há ainda o caso americano, com a participação de 20 equipas
na Major League Soccer, já tinha contribuído para esta situação, tornando a
aquisição de jogadores europeus em final de carreira ou jovens promissores da
América do Sul e México mais complicada. Contrariamente ao caso chinês, a MLS
aposta no crescimento sustentado, não entrando em loucuras como foi o caso na
sua experiência anterior nos anos 70. Há um tecto salarial imposto pela liga
que impede apostas de curto prazo. No entanto, a tendência é de crescimento em
virtude do aumento de espectadores nos estádios e das audiências televisivas.
Num plano quase secundário, mas ainda assim relevante neste
tema, encontram-se os clubes dos Emirados Árabes, que conseguem pontualmente
aliciar jogadores em final de carreira mas que, não fosse a oferta de uma
reforma dourada, poderiam ainda dar o seu contributo. O caso mais recente foi o
de Lima, que trocou o Benfica pelo Al-Ahli do Dubai.
Aos clubes portugueses restará apostar no que são
verdadeiramente fortes: A formação e valorização de activos. Crescer ao ponto
de poder rivalizar financeiramente com os principais campeonatos europeus e
outros como o chinês ou o russo é, presentemente, inviável. Só com Benfica,
Porto e Sporting fortes num plano europeu poderá haver a capacidade para captar
receitas maiores e é aí que deveriam residir as preocupações dos responsáveis
do futebol português, lutando, por exemplo, pela liberalização das apostas ou
por um quadro fiscal mais favorável.
Vida Económica - 19/2/2016