segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

As novas forças do futebol

Posta de lado que está, ou pelo menos adiada por muitos anos, a centralização da exploração dos direitos televisivos, está também afastado o cenário de uma nivelação por baixo do futebol português. Bem sei que esta teoria que advogo é contrária à maioria dos opinadores e, em tese, eu próprio discordaria de mim. O problema reside em vivermos no mundo real e, nesse contexto, analisando criticamente o nosso futebol, centralizar a exploração dos direitos televisivos seria, para utilizar a gíria comum, construir a casa pelo telhado.

Acima de tudo falta, ao nosso futebol, mercado. Vivemos num país fustigado por medidas de austeridade e, consequentemente, poder de compra reduzido, que resulta num aparente paradoxo de “todos” discutirmos futebol mas poucos estarmos dispostos a nos tornarmos consumidores. Repito uma ideia defendida numa das minhas crónicas anteriores: Os portugueses gostam do clubismo, da rivalidade e, sobretudo, da polémica. A maioria não gosta ou não se interessa verdadeiramente por futebol. Não está, pelo menos, disposta a tornar-se consumidora frequente.

Ao analisarmos os registos de espectadores em cada estádio em partidas a contar para o Campeonato Nacional, verificamos que, por esta ordem de grandeza, apenas Benfica (47.199), Sporting (37.702) e Porto (35.267) apresentam médias superiores a 35 mil. Vitória de Guimarães (12.481) e Braga (10.268) ocupam as posições seguintes quedando-se por médias inferiores a 12.500. Dos restantes clubes, só Marítimo (5.854) e Boavista (5.104) ultrapassam os 5.000 e, acima dos 4.000, apenas o Tondela (4.100). Estes dados poderão sofrer ligeiras alterações até ao final da temporada, pois nem todos os clubes foram já visitados pelos três maiores clubes portugueses, em particular, na presente época, o Benfica, cuja massa adepta se notabiliza pela sua grandeza e constante dedicação em todo o país e o Sporting, devido ao entusiasmo gerado entre os seus adeptos pela possibilidade de regresso ao título nacional após 14 anos.

Mas mais que o incipiente mercado interno, falta, ao futebol português, notoriedade no estrangeiro, nomeadamente na Ásia, mas também na Europa. Bastará reparar na publicidade estática nos campos ingleses (muitas vezes escritos em mandarim e vietnamita, por exemplo) para se perceber que é nesse continente que se geram os valores astronómicos recentes dos contratos televisivos e publicitários. Essa notoriedade, contrariamente ao que considero ser uma ideia feita, não está relacionada com a competitividade dos campeonatos, mas antes com uma percepção de qualidade das equipas e jogadores.

Por outras palavras, a poucos interessará no estrangeiro que um Benfica – Paços de Ferreira, um Tondela – Porto ou um Marítimo – Sporting seja um grande jogo de futebol e de desfecho imprevisível. A percepção de qualidade é reduzida ou mesmo inexistente. Inglaterra será a excepção, mas não se poderá afirmar que os campeonatos alemão (Bayern), francês (PSG), espanhol (Barcelona e Real Madrid) ou italiano (Juventus) se notabilizem pela competitividade. O que existe é a noção de que se está perante as melhores equipas e melhores jogadores da actualidade e essa é granjeada através do desempenho na Liga dos Campeões, prova em que, desde que é disputada nos moldes actuais (várias equipas por país e fase de grupos), se tornou rara a presença de mais do que uma equipa portuguesa nos oitavos-de-final.

Centralizar a exploração dos direitos televisivos poderia, em termos desportivos, equilibrar artificialmente o campeonato português, mas implicaria, provavelmente e se não fossem devidamente acauteladas as proporções do potencial de captação de receitas de cada clube, uma redução da competitividade de Benfica, Porto e Sporting nas competições europeias, o que teria como principal consequência o agravamento da relativa obscuridade do nosso futebol nos mercados em que é gerada a capacidade de investimento em publicidade e televisão.

A agudizar este cenário, verificam-se dois fenómenos recentes que poderão restringir ainda mais o desenvolvimento do futebol português. Desde logo o crescimento galopante das receitas televisivas no campeonato inglês. E também o investimento de clubes de países emergentes (no contexto futebolístico) que poderá desvirtuar a realidade presente.

O novo contrato da Premier League, que entrará em vigor na próxima temporada e terá a duração de três anos, atinge o montante exorbitante de 6.625 mil milhões de euros (ao câmbio actual), representando um crescimento de cerca de 70% em relação ao contrato anterior. Em 2014/15, de acordo com o relatório “Football Money League” elaborado pela Deloitte, 17 dos clubes presentes no top30 são ingleses. Eram 14 na temporada anterior e estimo que serão entre 20 a 22 na próxima.

Dos clubes portugueses, apenas o Benfica constou nesta lista em 2014/15 (26º com 126M€ de receitas totais), à semelhança de 2113/14 e 2012/13 (26º, 109.2M€ e 22º, 111.1M€, respectivamente). Em 2014/15, o Napoles, 30º da lista, facturou 125.5M€, o que indicia que a ausência benfiquista se deveu à quebra de receitas obtidas na Liga dos Campeões, numa temporada em que conquistou somente cinco pontos na fase de grupos e viu-se eliminada precocemente das competições europeias. É expectável que volte a marcar presença no top30 em 2015/16, mas duvido que se mantenha na seguinte devido à entrada em vigor do novo contrato televisivo da Premier League. Aliás, no mesmo relatório é afirmado que é improvável que mais do que um ou dois clubes que não pertençam às cinco maiores ligas (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França) constem nesse ranking nos próximos anos.

Creio que a maior parte do bolo será entregue aos jogadores (aumento dos ordenados). Além do mais, há um limite para a participação de equipas por país na Liga dos Campeões e a constituição dos plantéis é limitada. No entanto, mesmo que não se verifique um aumento significativo de grandes jogadores na Premier Legue, haverá provavelmente um crescimento do valor médio dos ordenados nos principais campeonatos europeus, afastando-os ainda mais da capacidade dos clubes portugueses de com eles competirem.

Esta não é uma nova realidade, será somente enfatizada, tendo os principais clubes portugueses mostrado, ao longo de muitos anos, deterem a capacidade para se reinventarem, apostando jogadores de mercados mais frágeis, formando-os e vendendo-os por elevados montantes, possibilitando, dessa forma e apesar das disparidades no nível de investimento, marcar presença regular na fase de grupos da Liga dos Campeões.

O maior problema actualmente está relacionado com o investimento galopante de clubes de países que, ainda há poucos anos, não contavam para este cenário. Em particular, a China, onde foram registadas cinco das seis maiores transferências no último mercado de inverno (atenção que só fecha a 26 de Fevereiro), protagonizadas por jogadores longe de serem considerados em final de carreira (por exemplo, Alex Teixeira, do Shaktar Dontsk, Ramires, do Chelsea, Jackson Martinez, do Atlético de Madrid ou Gervinho, da Roma). Dados os valores envolvidos (50M€, 42M€, 28M€ e 18M€ respectivamente para os exemplos citados), é caso para os adeptos europeus de futebol agradecerem o limite de estrangeiros imposto pelas autoridades chinesas (cinco por equipa, sendo que um tem que ser da conferência asiática), sob pena de, se este limite for abolido, o futebol ser recentralizado. A escalada dos ordenados e preços das transferências, bem como o surgimento de 16 clubes com maior poder de investimento (64 jogadores “não asiáticos” de acordo com as regras actuais) reduz a capacidade dos clubes portugueses em adquirir bons jogadores. O mesmo se aplica aos clubes russos.

Há ainda o caso americano, com a participação de 20 equipas na Major League Soccer, já tinha contribuído para esta situação, tornando a aquisição de jogadores europeus em final de carreira ou jovens promissores da América do Sul e México mais complicada. Contrariamente ao caso chinês, a MLS aposta no crescimento sustentado, não entrando em loucuras como foi o caso na sua experiência anterior nos anos 70. Há um tecto salarial imposto pela liga que impede apostas de curto prazo. No entanto, a tendência é de crescimento em virtude do aumento de espectadores nos estádios e das audiências televisivas.

Num plano quase secundário, mas ainda assim relevante neste tema, encontram-se os clubes dos Emirados Árabes, que conseguem pontualmente aliciar jogadores em final de carreira mas que, não fosse a oferta de uma reforma dourada, poderiam ainda dar o seu contributo. O caso mais recente foi o de Lima, que trocou o Benfica pelo Al-Ahli do Dubai.


Aos clubes portugueses restará apostar no que são verdadeiramente fortes: A formação e valorização de activos. Crescer ao ponto de poder rivalizar financeiramente com os principais campeonatos europeus e outros como o chinês ou o russo é, presentemente, inviável. Só com Benfica, Porto e Sporting fortes num plano europeu poderá haver a capacidade para captar receitas maiores e é aí que deveriam residir as preocupações dos responsáveis do futebol português, lutando, por exemplo, pela liberalização das apostas ou por um quadro fiscal mais favorável.

Vida Económica - 19/2/2016

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