Começo pelo óbvio: O futebol
português, com a obtenção do título europeu em França, atingiu o ponto mais
alto da sua história. Independentemente das circunstâncias, e estas, exceptuando
a lesão sofrida por Cristiano Ronaldo na primeira parte da final, foram
claramente favoráveis, o triunfo no Campeonato da Europa é um feito
extraordinário. Desde logo pela estreia portuguesa no palmarés de uma grande
competição internacional, mas também, e principalmente, por poucos, nem mesmo entre
os mais optimistas, terem acreditado no sucesso da equipa antes e durante a
primeira fase da competição.
Já há muito tempo que aprendi
que, no desporto, e porventura em todos os sectores, desde a vida empresarial à
política, quem ganha é quem tem razão. Um dia far-se-á a história desta epopeia
e salientar-se-ão os aspectos positivos e deixar-se-ão, eventualmente, os negativos
para as notas de rodapé.
Recuperar, por exemplo, as
declarações de Nani, em que, após o mau começo da selecção portuguesa, evocou
uma alegada estratégia assente no pressuposto de que o Campeonato Europeu se
trata de uma competição longa, induzirá muitos a validarem a tal “estratégia” e
levará os restantes a ignorá-las. É certo que essas tais declarações não
fizeram qualquer sentido e não passaram de uma justificação atabalhoada dos
maus resultados na fase de grupos, mas Portugal é campeão europeu e, por isso, terá
feito tudo bem. No fundo, empatar três partidas frente a adversários como a Áustria,
Hungria e Islândia fazia parte de um plano que previa uma combinação de
resultados que evitaria o confronto com os tubarões Itália, Espanha, Alemanha e
França, tornando o acesso à final do europeu mais facilitado.
O mesmo se aplica às decisões
tomadas por Fernando Santos. Entre outros, houve o caso dos quartos-de-final em
que, ao longo do desafio frente à Polónia, muitos criticaram o conservadorismo
do treinador português (com razão, do meu ponto de vista), que terá contribuído
para que Portugal não levasse de vencida o seu adversário no tempo regulamentar
ou no prolongamento. O desempate por pontapés de grande penalidade caiu para o
lado luso, permitindo a Portugal chegar às meias-finais do europeu pela quinta
vez, o que, por si só, já legitimaria elogios à participação portuguesa no
certame, “apesar dos pesares”. No entanto, não seria suficiente para se tornar
numa esponja que limpasse todos os aspectos negativos do percurso da equipa
nacional. Chegar à final seria diferente, ganhar já assume contornos, neste
contexto, diametralmente opostos. O estado de graça estende-se a tudo a que, de
uma forma ou de outra, esteja associado ao sucesso da selecção. Até os inúmeros
problemas vividos pela sociedade portuguesa são, por tempo indeterminado,
relegados para segundo plano pela larga maioria dos portugueses.
No contexto mais específico do
futebol português, caracterizado por variados constrangimentos que assolam o
seu desenvolvimento, o tempo parece ter parado para Liga e clubes. E, assim,
ainda a época está no seu início, já tivemos o primeiro sinal de que o respeito
pelos adeptos (tão só a razão de ser do futebol), por parte da Liga, se manterá
no limiar do desprezo, ao falhar o segundo prazo da calendarização. De acordo
com os regulamentos, todas as partidas das três primeiras jornadas do
Campeonato Nacional deveriam ter as datas e horas de realização definidas. Já
há programação da primeira jornada, o que tendo em conta o historial, nem é
mau. A um mês da segunda jornada, os adeptos não sabem quando jogará o seu
clube, sabendo apenas o local e um intervalo de tempo de quatro dias no qual o
jogo será agendado.
A incapacidade para agendar
atempadamente os jogos é, entre muitos outros que tenho referido neste espaço, além
de revelador do desrespeito por adeptos, um dos problemas do futebol nacional,
ao contrário de alguns mais debatidos pelos agentes do futebol que, do meu
ponto de vista, não fazem sentido. Entre estes últimos figuram dois que me
parecem definitivamente afastados devido ao título europeu: A falta de
competitividade e a quantidade de jogadores estrangeiros.
Agora, com este título, não mais
se poderá afirmar que o futebol português é penalizado por uma suposta falta de
competitividade da Liga ou pelo enorme contingente de atletas de outras
nacionalidades no nosso campeonato. Afinal de contas, somos campeões europeus!
Bem sei que, alguns parágrafos atrás, defendi que este título, embora mascare
por uns tempos, não resolveu ou sequer mitigou os constrangimentos do futebol
luso, mas nestes casos específicos, põe a nu a fragilidade do argumentário
habitualmente utilizado pela intelligentsia do nosso futebol.
Falta, sobretudo, dinheiro ao
futebol português. Falta dinheiro aos portugueses. Com ou sem competitividade,
com ou sem batalhões de estrangeiros, a qualidade existe, tanto que, com maior
ou menor mérito, Portugal é campeão europeu. E tinha sido finalista há 12 anos.
E semi-finalista há 4 e há 16. O pior que fez desde 1996 foi a eliminação nos
quartos-de-final. Nem a putativa falta de competitividade do campeonato nem as
“poucas” oportunidades concedidas a jogadores jovens portugueses impedem a
selecção nacional de figurar consecutivamente entre as melhores da Europa. Por
isso digo e defendo que, mais do que se tentar construir artificialmente
competitividade ou abrir espaço para atletas lusos (qualquer destas medidas seria
nivelar o futebol português por baixo), há que, primeiro, tentar captar, para
os estádios, o máximo de adeptos possível, segundo, envidar esforços no sentido
de alargar o mercado do futebol nacional. Por outras palavras, tornar o produto
do futebol português mais apetecível no estrangeiro. E o mesmo será dizer, ter
mais equipas portuguesas a darem cartas na Liga dos Campeões, ao invés de
apenas uma (tipicamente F. C. Porto ou Benfica) a fazê-lo esporadicamente. É
nesse palco que se afere a qualidade de um campeonato, pouco interessando que
um Paços de Ferreira – Tondela seja um grande jogo, assim como é irrelevante se
um Legia Varsóvia – Cracóvia ou um Groningen – Roda deliciem os espectadores.
Perdemos… e agora?
Vivemos ainda o rescaldo do
“Brexit”, num período de indefinição quanto aos termos da saída do Reino Unido
da União Europeia. Relativamente ao futebol, a livre circulação de pessoas e o
acesso ao mercado de trabalho britânico serão os temas centrais, com
implicações, por ora, imprevisíveis. As análises apontam para cerca de cem os
jogadores que actualmente actuam na Premier League e que não teriam direito a trabalhar
no Reino Unido caso a livre circulação de trabalhadores não fosse uma
realidade.
Uma consequência evidente da
provável restrição será a hipervalorização dos jogadores britânicos e dos internacionais
em condições de cumprimento das normas do “work permit” (ter jogado, nos dois
anos anteriores, em 75% dos jogos da selecção A para os quais se encontrava
disponível). Não tão evidentes serão as consequências para o futebol português.
Desde o início da Premier League,
em 1992, houve apenas 51 portugueses contratados por clubes da principal liga
inglesa. Em 2015/16, foram somente cinco os inscritos (José Fonte, Cédric,
Éder, Ivo Pinto e João Carlos Teixeira), sendo que, até ver, apenas Fonte e
Cédric continuarão na próxima temporada. Mesmo a venda, por parte de clubes
portugueses, de passes de atletas de outras nacionalidades, não tem sido
frequente, pelo que, num primeiro instante, o Brexit não aparenta significar
uma ameaça para o futebol nacional.
Porém, há que considerar que
existe uma probabilidade significativa da redução do movimento de jogadores,
antecedida pela diminuição do movimento de capitais (menos dinheiro a sair do
Reino Unido para o resto da Europa), que poderá implicar um arrefecimento do
mercado de transferências europeu.
Sabendo-se que os grandes clubes
portugueses assentam a sua gestão de tesouraria nesse expediente, passará a ser
fundamental ter, ao seu serviço, atletas portugueses capazes de integrarem a
selecção nacional (ou estrangeiros indiscutíveis na selecção dos seus países),
sob pena dos principais compradores (a Premier League defende que o interesse
do público inglês e estrangeiro manter-se-á independentemente das consequências
do Brexit neste domínio, logo as receitas de televisão e bilheteira também) nem
sequer se poderem interessar por algum dos seus atletas.
Esta necessidade poderá conduzir
a uma reconfiguração da estratégia adoptada pelos clubes, que talvez passem a
ver-se obrigados, por esta razão, a apostar ainda mais na formação. Salve-se
que há talento em Portugal para jogar futebol e trabalha-se muito bem no sector
da formação, como demonstra o título europeu sub17 conquistado há poucos meses
e a presença (pelo menos) nas meias-finais do europeu de sub19 (escrevo antes
do desfecho da partida ante França).
Vida Económica - 22/7/2016