No final da semana passada, surgiu a notícia, confirmada no
dia seguinte pelo presidente da Liga de Clubes, Pedro Proença, da intenção de
todos os jogos de cada jornada serem transmitidos pela televisão. O antigo
árbitro afirmou que era seu “desejo que todos os jogos fossem transmitidos, em
canal aberto ou fechado " e que a Liga está a “trabalhar essa
possibilidade com os operadores de televisão”.
A aclamação foi generalizada e considero que, avaliada
isoladamente, se tratará de uma boa medida pelo aumento de exposição mediática
proporcionado a clubes cujas partidas não são todas alvo de transmissão
televisiva. O benefício é óbvio, o crescimento da visibilidade destes clubes
torná-los-ão mais apetecíveis junto dos patrocinadores. Por outro lado, a
principal ameaça decorrente de uma decisão deste cariz – contribuir para a
ausência de público – nem sequer se coloca, de tão confrangedora que é a média
de espectadores na maior parte dos estádios portugueses, nomeadamente se excluirmos
destas contas as partidas em que participam Benfica, Sporting e F.C. Porto, por
esta ordem.
Com efeito, ao retirar os “três grandes” deste exercício,
verifica-se que a média de espectadores por jogo, com quatro jornadas por
disputar, passa de 10.624 para 3.687. Sem ainda as partidas caseiras de
V.Guimarães e Braga, decresce para 2.648. Em oito estádios, a média de
espectadores sem os “três grandes” é inferior a 2.700. Em doze, fica abaixo dos
4.400. Vitória de Guimarães, Braga e Marítimo, com médias de 11.067, 9.388 e
5.800 são as excepções. Dos 2.868.349 espectadores da Liga NOS, completadas que
estão 30 jornadas, cerca de 63% visitaram Luz, Alvalade e Dragão. Se a estes
acrescentarmos os jogos em que os “três grandes” foram visitantes nos restantes
estádios, chegamos a cerca de 76% do público total.
Ora, o que estes números demonstram é que, antes da falta de
visibilidade, há o problema da ausência de público no futebol português.
Aumentar o potencial de captação de patrocínios é, em si, um objectivo louvável,
mas o seu contributo para um mal que se poderá considerar, salvo fenómenos
localizados, endémico em Portugal, é nulo.
Para combater este sortilégio, são, normalmente, apontadas
diversas soluções. As mais comuns passam por melhores infra-estruturas
(curiosamente raras vezes se refere as condições dos relvados), preços de
ingresso mais acessíveis, tipo e aumento da notoriedade na comunicação social,
redistribuição de receitas com vista ao melhor apetrechamento dos plantéis e
consequente subida qualitativa do futebol jogado e competitividade, iniciativas
locais de captação de público e melhores horários. Para quase todas há, no
entanto, exemplos que contradizem os propalados benefícios que delas adviriam.
No que diz respeito às infra-estruturas, é, do ponto de
vista do adepto, incompreensível que subsistam bancadas descobertas,
especialmente numa era em que, devido às condições de segurança definidas, o
uso de chapéus-de-chuva é limitado. É certo que há exemplos de estádios
cobertos, como em Coimbra ou no Restelo, onde o público é escasso, mas para
esta questão, como para todas as outras, terá que se abordar globalmente o
problema de fundo, ao invés de se avaliar isoladamente cada uma das suas
dimensões. Como se costuma dizer, o todo é a soma das partes. Acresce as
condições dos relvados, cuja regulamentação se fica pelas dimensões,
direcionamento do corte e uniformidade da rega. É inconcebível que, por razões
financeiras (e muitas vezes desportivas), seja permitido que os clubes não
procedam sempre ao corte da relva exigido para a boa prática do futebol. E mais
chocante é quando somos acometidos por invernos rigorosos, grassando pelo país,
mesmo na I Liga, terrenos impróprios para a disputa de uma partida. Este
problema está directamente relacionado com a qualidade do futebol apresentado
e, infelizmente, não me parece que a sua resolução seja uma prioridade do
organizador da principal competição nacional.
Relativamente ao preço dos bilhetes, é comum ouvir-se os
adeptos queixarem-se do montante que lhe é pedido para entrarem num estádio.
Parece-me, no entanto, que a discussão do tema está inquinada, pois tratam-se,
sobretudo, de adeptos dos “três grandes”, geralmente “castigados” por, em todos
os jogos em que os seus clubes não estão envolvidos, não haver público. Receber
Benfica e, consoante as temporadas, Sporting e Porto, é encarado, pelos clubes
de menor dimensão, como uma espécie de salva-vidas para as suas debilitadas
tesourarias. O aumento do IVA nos espectáculos desportivos de 6 para 23% agudizou
esta problemática.
Acresce que os convites são igualmente taxados, o que ajuda
a inviabilizar uma possível iniciativa de longo prazo, relacionada com as
iniciativas locais de captação de público, que passaria pela oferta sistemática
de bilhetes a crianças e acompanhantes como forma de criar habituação da ida
aos estádios e, consequentemente, mais público no futuro. Além disso, é
conhecido que uma das formas de poupança dos clubes passa por encerrar sectores
inteiros quando a previsão de público é diminuta. Ao IVA a pagar resultante dos
convites (neste caso, penaliza directamente os clubes), ter-se-ia que somar os
custos de organização e segurança com a abertura das bancadas. A Liga deveria
concentrar esforços no apoio e estímulo deste tipo de iniciativas, assim como
focar-se na negociação com o Estado acerca do regime do IVA aplicável.
Quanto ao tipo e aumento de notoriedade na comunicação
social, considero que existem, neste domínio, dois constrangimentos principais
à promoção do crescimento da afluência de público nos estádios portugueses. Por
um lado, o excessivo (neste contexto) enfoque nos “três grandes”. No caso
particular da televisão, seria desejável, tendo em vista a maximização do
potencial de captação de patrocinadores, que os jogos dos clubes de menor
dimensão fossem transmitidos em canal aberto. Por outro, a evidente primazia
dada a aspectos laterais ao jogo, nomeadamente polémicas que, muitas das vezes,
transmitem ao público a sensação que o futebol se joga mais fora das quatro
linhas que dentro delas. Esta realidade resulta da necessidade que os órgãos de
comunicação social têm de facturar no imediato, não havendo, aparentemente, da
sua parte, margem de manobra para promover o desporto pelo desporto e criar
mais consumidores no futuro. Numa frase, de polémica em polémica, atingem-se
níveis de saturação que provocam o desinteresse de potenciais consumidores.
A este propósito, convém referir o salutar acordo celebrado
pelos treinadores de futebol em Itália, que se comprometeram a não comentar
erros de arbitragem. Trata-se de uma gota de água no oceano, mas é de louvar. A
Liga poderia começar por tentar impedir seriamente o condicionamento dos
árbitros que é empreendido sistematicamente por treinadores e, principalmente,
dirigentes. E deveria, sobretudo, penalizar fortemente os dirigentes que fazem
do levantamento de suspeitas (não só à arbitragem) uma prática corrente da sua
gestão comunicacional. Não que considere que deva imperar a lei da rolha e que
não devam ser apontados problemas, mas tem que haver limites, exigindo-se, no
mínimo, críticas devidamente fundamentadas, sob pena de, não o fazendo,
resultarem consequências significativas para os clubes que representam.
Acerca da redistribuição de receitas com vista ao melhor
apetrechamento dos plantéis e consequente subida qualitativa do futebol jogado
e competitividade, já me pronunciei anteriormente, pelo que remeto os leitores
para a crónica publicada em 22 de Maio de 2015, intitulada “Centralizar os
direitos televisivos no futebol é solução?”. Resumidamente, considero que o
mercado português é limitado e que a abordagem ao mercado externo só resultará
se existir a percepção, no exterior, de que o futebol português tem qualidade,
sendo que esta só será conseguida se os principais clubes portugueses (no
mínimo dois, idealmente três) marcarem presença regular nas fases adiantadas da
Liga dos Campeões. Retirar potencial aos maiores clubes seria, desta forma,
contraproducente.
Finalmente, a questão dos horários, em que me limito a
afirmar que, do ponto de vista dos espectadores, não será certamente com jogos
de manhã ou à noite em dias de semana que se tornará o futebol mais apetecível,
que é o que acontecerá se a intenção da Liga for bem sucedida.
Vida Económica - 22/4/2016