segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Urge combater a falta de público

No final da semana passada, surgiu a notícia, confirmada no dia seguinte pelo presidente da Liga de Clubes, Pedro Proença, da intenção de todos os jogos de cada jornada serem transmitidos pela televisão. O antigo árbitro afirmou que era seu “desejo que todos os jogos fossem transmitidos, em canal aberto ou fechado " e que a Liga está a “trabalhar essa possibilidade com os operadores de televisão”.

A aclamação foi generalizada e considero que, avaliada isoladamente, se tratará de uma boa medida pelo aumento de exposição mediática proporcionado a clubes cujas partidas não são todas alvo de transmissão televisiva. O benefício é óbvio, o crescimento da visibilidade destes clubes torná-los-ão mais apetecíveis junto dos patrocinadores. Por outro lado, a principal ameaça decorrente de uma decisão deste cariz – contribuir para a ausência de público – nem sequer se coloca, de tão confrangedora que é a média de espectadores na maior parte dos estádios portugueses, nomeadamente se excluirmos destas contas as partidas em que participam Benfica, Sporting e F.C. Porto, por esta ordem.


Com efeito, ao retirar os “três grandes” deste exercício, verifica-se que a média de espectadores por jogo, com quatro jornadas por disputar, passa de 10.624 para 3.687. Sem ainda as partidas caseiras de V.Guimarães e Braga, decresce para 2.648. Em oito estádios, a média de espectadores sem os “três grandes” é inferior a 2.700. Em doze, fica abaixo dos 4.400. Vitória de Guimarães, Braga e Marítimo, com médias de 11.067, 9.388 e 5.800 são as excepções. Dos 2.868.349 espectadores da Liga NOS, completadas que estão 30 jornadas, cerca de 63% visitaram Luz, Alvalade e Dragão. Se a estes acrescentarmos os jogos em que os “três grandes” foram visitantes nos restantes estádios, chegamos a cerca de 76% do público total.

Ora, o que estes números demonstram é que, antes da falta de visibilidade, há o problema da ausência de público no futebol português. Aumentar o potencial de captação de patrocínios é, em si, um objectivo louvável, mas o seu contributo para um mal que se poderá considerar, salvo fenómenos localizados, endémico em Portugal, é nulo.

Para combater este sortilégio, são, normalmente, apontadas diversas soluções. As mais comuns passam por melhores infra-estruturas (curiosamente raras vezes se refere as condições dos relvados), preços de ingresso mais acessíveis, tipo e aumento da notoriedade na comunicação social, redistribuição de receitas com vista ao melhor apetrechamento dos plantéis e consequente subida qualitativa do futebol jogado e competitividade, iniciativas locais de captação de público e melhores horários. Para quase todas há, no entanto, exemplos que contradizem os propalados benefícios que delas adviriam.

No que diz respeito às infra-estruturas, é, do ponto de vista do adepto, incompreensível que subsistam bancadas descobertas, especialmente numa era em que, devido às condições de segurança definidas, o uso de chapéus-de-chuva é limitado. É certo que há exemplos de estádios cobertos, como em Coimbra ou no Restelo, onde o público é escasso, mas para esta questão, como para todas as outras, terá que se abordar globalmente o problema de fundo, ao invés de se avaliar isoladamente cada uma das suas dimensões. Como se costuma dizer, o todo é a soma das partes. Acresce as condições dos relvados, cuja regulamentação se fica pelas dimensões, direcionamento do corte e uniformidade da rega. É inconcebível que, por razões financeiras (e muitas vezes desportivas), seja permitido que os clubes não procedam sempre ao corte da relva exigido para a boa prática do futebol. E mais chocante é quando somos acometidos por invernos rigorosos, grassando pelo país, mesmo na I Liga, terrenos impróprios para a disputa de uma partida. Este problema está directamente relacionado com a qualidade do futebol apresentado e, infelizmente, não me parece que a sua resolução seja uma prioridade do organizador da principal competição nacional.

Relativamente ao preço dos bilhetes, é comum ouvir-se os adeptos queixarem-se do montante que lhe é pedido para entrarem num estádio. Parece-me, no entanto, que a discussão do tema está inquinada, pois tratam-se, sobretudo, de adeptos dos “três grandes”, geralmente “castigados” por, em todos os jogos em que os seus clubes não estão envolvidos, não haver público. Receber Benfica e, consoante as temporadas, Sporting e Porto, é encarado, pelos clubes de menor dimensão, como uma espécie de salva-vidas para as suas debilitadas tesourarias. O aumento do IVA nos espectáculos desportivos de 6 para 23% agudizou esta problemática.

Acresce que os convites são igualmente taxados, o que ajuda a inviabilizar uma possível iniciativa de longo prazo, relacionada com as iniciativas locais de captação de público, que passaria pela oferta sistemática de bilhetes a crianças e acompanhantes como forma de criar habituação da ida aos estádios e, consequentemente, mais público no futuro. Além disso, é conhecido que uma das formas de poupança dos clubes passa por encerrar sectores inteiros quando a previsão de público é diminuta. Ao IVA a pagar resultante dos convites (neste caso, penaliza directamente os clubes), ter-se-ia que somar os custos de organização e segurança com a abertura das bancadas. A Liga deveria concentrar esforços no apoio e estímulo deste tipo de iniciativas, assim como focar-se na negociação com o Estado acerca do regime do IVA aplicável.

Quanto ao tipo e aumento de notoriedade na comunicação social, considero que existem, neste domínio, dois constrangimentos principais à promoção do crescimento da afluência de público nos estádios portugueses. Por um lado, o excessivo (neste contexto) enfoque nos “três grandes”. No caso particular da televisão, seria desejável, tendo em vista a maximização do potencial de captação de patrocinadores, que os jogos dos clubes de menor dimensão fossem transmitidos em canal aberto. Por outro, a evidente primazia dada a aspectos laterais ao jogo, nomeadamente polémicas que, muitas das vezes, transmitem ao público a sensação que o futebol se joga mais fora das quatro linhas que dentro delas. Esta realidade resulta da necessidade que os órgãos de comunicação social têm de facturar no imediato, não havendo, aparentemente, da sua parte, margem de manobra para promover o desporto pelo desporto e criar mais consumidores no futuro. Numa frase, de polémica em polémica, atingem-se níveis de saturação que provocam o desinteresse de potenciais consumidores.

A este propósito, convém referir o salutar acordo celebrado pelos treinadores de futebol em Itália, que se comprometeram a não comentar erros de arbitragem. Trata-se de uma gota de água no oceano, mas é de louvar. A Liga poderia começar por tentar impedir seriamente o condicionamento dos árbitros que é empreendido sistematicamente por treinadores e, principalmente, dirigentes. E deveria, sobretudo, penalizar fortemente os dirigentes que fazem do levantamento de suspeitas (não só à arbitragem) uma prática corrente da sua gestão comunicacional. Não que considere que deva imperar a lei da rolha e que não devam ser apontados problemas, mas tem que haver limites, exigindo-se, no mínimo, críticas devidamente fundamentadas, sob pena de, não o fazendo, resultarem consequências significativas para os clubes que representam.

Acerca da redistribuição de receitas com vista ao melhor apetrechamento dos plantéis e consequente subida qualitativa do futebol jogado e competitividade, já me pronunciei anteriormente, pelo que remeto os leitores para a crónica publicada em 22 de Maio de 2015, intitulada “Centralizar os direitos televisivos no futebol é solução?”. Resumidamente, considero que o mercado português é limitado e que a abordagem ao mercado externo só resultará se existir a percepção, no exterior, de que o futebol português tem qualidade, sendo que esta só será conseguida se os principais clubes portugueses (no mínimo dois, idealmente três) marcarem presença regular nas fases adiantadas da Liga dos Campeões. Retirar potencial aos maiores clubes seria, desta forma, contraproducente.


Finalmente, a questão dos horários, em que me limito a afirmar que, do ponto de vista dos espectadores, não será certamente com jogos de manhã ou à noite em dias de semana que se tornará o futebol mais apetecível, que é o que acontecerá se a intenção da Liga for bem sucedida.

Vida Económica - 22/4/2016

Números da semana (171)

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