Numa entrevista concedida, na semana passada, pelo
presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, ao semanário
Expresso, foi revelado que o prémio pago aos jogadores pela conquista do
Europeu foi “cerca de 30% do total” das receitas da FPF no âmbito da
participação portuguesa na competição, as quais, ascenderam a 27.5 milhões de
euros. O saldo terá sido positivo, com o presidente a estimar o lucro em “cinco
ou seis milhões de euros”.
O condicionamento dos prémios dos jogadores ao desempenho
desportivo da equipa, o qual, a cargo do organizador, está relacionado
directamente com a receita obtida pela participação no certame, é a garantia de
que a Federação não apresenta prejuízo, salvaguardada que esteja a correcta
orçamentação dos restantes custos.
No desporto em geral, há outro exemplo que demonstra que a
viabilidade económica e financeira é possível, desde que aplicadas regras que
limitem os vencimentos fixos e variáveis dos atletas, uma vez que esta é a
rubrica mais significativa nos custos dos clubes. Trata-se do modelo
organizacional do desporto americano, que beneficia de certas características
que o possibilitam, tais como a inexistência de concorrência devido às enormes
receitas obtidas e a serem estanques, no sentido em que os participantes não
estão sujeitos à possibilidade de descida de divisão como na generalidade das
ligas de qualquer desporto no resto do mundo.
Tomando a NBA, a principal liga profissional norte-americana
de basquetebol, como exemplo (as restantes – NFL do futebol americano, MLB do
basebol, NHL do hóquei no gelo, etc, têm regras específicas, mas todas
respeitam o mesmo princípio de garantia de sustentabilidade económica dos
clubes), verificamos que o montante total pago a atletas está contratualizado e
varia entre os 49 e os 51% das receitas relacionadas com basquetebol, i.e.,
transmissões televisivas, bilheteira, parqueamento e publicidade nos pavilhões,
entre outras. O valor inicial está estipulado em 50% e prevê uma margem de 1%
caso ocorram desvios ao orçamento das receitas. Esta divisão de receitas
resulta do acordo celebrado em 2011, no seguimento da greve dos patrões que
encurtou a temporada 2011/12, entre os proprietários das equipas e a associação
de jogadores e substituiu o anterior em que os atletas tinham direito a auferir
57% da facturação.
Esta regra é acompanhada por outras que, além da
sustentabilidade, visam a competitividade entre equipas, como o tecto salarial,
assente num sistema de cálculo complexo em que, grosso modo, o valor máximo que
cada equipa poderá gastar com salários varia consoante as receitas obtidas na
temporada anterior e prevê uma taxa de luxo progressiva: Em 2016/17, com uma
subida de 34% em relação ao ano anterior devido à entrada em vigor do novo
contrato de cedência de direitos televisivos, o tecto salarial para cada uma
das trinta equipas será 94.14 milhões de dólares (44.74% das receitas estimadas
divididos por 30) e o limite da taxa de luxo será 113.29 milhões de dólares, a
qual, até 5M€ acima do tecto salarial, é um dólar por cada dólar a mais, sendo que
esta penalização vai aumentando por escalões; Ou o sistema de recrutamento
(draft), que resulta na exclusividade da possibilidade de contratação e
utilização dos jogadores escolhidos; Ou ainda, entre outros, a redistribuição
de parte das receitas dos contratos televisivos locais (para as televisões
nacionais, o contrato é negociado pela própria NBA), de forma a mitigar as
disparidades entre o mercado de cada equipa (de acordo com a Forbes, os LA
Lakers arrecadam uma receita anual pela venda local dos direitos televisivos
superior a 200 milhões de dólares, enquanto que os LA Clippers se tornaram na
primeira equipa a explorar esses direitos directamente após a recusa de uma
oferta de 60 milhões de dólares anuais).
Tomando o caso concreto da participação portuguesa no Euro
2016 e o sucesso económico do desporto americano, é natural que, aqui e ali,
surjam propostas baseadas nesses exemplos com vista à racionalização dos custos
ou ao aumento da competitividade entre equipas. Porém, são quase sempre
descontextualizadas e, por isso, tornar-se-iam perniciosas se aplicadas. Em
Portugal, o tecto salarial e a redistribuição das receitas televisivas são os
maiores exemplos.
A sua aplicabilidade em qualquer dos casos evocados é
possível por, tanto a selecção como a NBA, se tratarem de mercados “fechados”.
O primeiro porque a elegibilidade dos jogadores está condicionada à
nacionalidade e à obrigatoriedade de representação de um único país, a segunda
porque a capacidade de investimento dos clubes que a integram não encontra
paralelo na concorrência.
No dia em que deixar de existir a impossibilidade de actuar
numa segunda selecção (imagine-se um cenário em que Cristiano Ronaldo ou Messi
pudessem optar pela nacionalidade russa ou chinesa e passassem a representar as
equipas nacionais desses países) ou os clubes europeus de basquetebol possam
pagar o mesmo que é pago aos jogadores da NBA (já há casos de jogadores europeus
de médio valor na NBA que preferem actuar na Europa), tais regras teriam que
deixar de ser implementadas, sob pena da competitividade de selecções como a
portuguesa ou argentina ou das ligas americanas se esboroasse.
Num mercado aberto, como é aquele em que o futebol português
está inserido, impor uma competitividade artificial entre as equipas, seja pela
redistribuição dos rendimentos, seja por limites ao investimento, seria nivelar
por baixo. E a razão é óbvia: os melhores jogadores, por desejarem um patamar
competitivo superior e, principalmente, por pretenderem maiores rendimentos,
teriam ainda mais interesse em se aventurarem pelo estrangeiro do que têm no
presente.
Nem no caso inglês, em que o nível de receitas é, quando
comparado com os restantes países, de tal forma elevado que permite a sua
redistribuição sem uma perda de competitividade aguda dos clubes que mais
receitas captam, seria vantajosa a definição de um tecto salarial por equipa. A
partir do momento em que fosse implementado, os clubes ingleses ver-se-iam
ameaçados por alguns dos seus pares europeus e deixariam de poderem ser
considerados, pelo seu orçamento, potenciais candidatos crónicos à conquista da
Liga dos Campeões.
Apesar de estar ainda a dar os primeiros passos nesta
matéria e, por isso, não se perceber ainda as consequências que deles advirão
(sem excluir a possibilidade de, no futuro, surgirem outros campeonatos com
capacidade financeira para ombrearem com as equipas europeias como a China já
tem feito em casos pontuais), a UEFA tem tentado, através da aplicação do fair
play financeiro, o estabelecimento de regras de licenciamento dos clubes
participantes nas provas que organiza e as limitações à inscrição de jogadores
nas mesmas, impor alguma racionalidade na gestão dos clubes.
Essas medidas visam combater a aglomeração dos melhores
jogadores num ou dois campeonatos, o despesismo de multimilionários, geralmente
em busca de ascensão social, com a subsequente desvirtuação das competições, a
gestão desastrosa que levou a que alguns clubes viessem a declarar falência
como foram os casos mais mediáticos da Fiorentina e do Glasgow Rangers, e a
aposta na formação, ao excluir os custos relacionados com ela do cálculo do
cumprimento do fair play financeiro.
Entretanto, e apesar do controlo apertado numa fase inicial,
a UEFA aligeirou a interpretação das regras e revelou-se, de alguma forma,
permissiva com expedientes utilizados pelos clubes para as contornar,
nomeadamente através da aceitação de planos com prazos dilatados para atingir o
breakeven (a origem da inflexão residiu em queixas apresentadas à UEFA por
potenciais compradores de clubes de que as regras inviabilizariam a compra de
clubes e o posterior investimento responsável que garantisse, a longo prazo, o
retorno desejado). Para justificar a nova postura, foi referido que o impacto desejado
(necessidade de gestão responsável) foi atingido e que até se teria assistido a
um refreamento dos montantes das transferências de passes de atletas.
Conforme se poderá constatar no presente defeso, bastou o
novo contrato de exploração dos direitos televisivos entrar em vigor em
Inglaterra para se perceber que não será bem assim. Aliás, o caso inglês é
paradigmático de um certo desnorte na tomada de decisões: De acordo com dados
da UEFA, a dívida dos clubes da Premier League, em 2008, perfazia 56% do total
das dívidas de todos os clubes europeus. No fundo, quanto mais dinheiro se
ganha, mais se gasta, comprovando a ideia de que, no desporto, a emoção se
sobrepõe à razão…
Por esta razão, a UEFA, enquanto puder (enquanto os clubes
europeus tiverem maior capacidade de investimento que os de outras regiões),
deveria ter mão firme nos casos de incumprimento e aplicar as sanções
previstas. Até porque está provado, pelos mais variados exemplos, que é
possível apresentar equipas competitivas sem hipotecar o futuro dos clubes.
Vida Económica - 12/8/2016