Terminou a Liga NOS com o Benfica a sagrar-se campeão pela
terceira vez consecutiva, feito alcançado, pela última vez, há 39 anos. Como
sempre, de resto, como em qualquer assunto, os partidários de cada parte
esgrimem argumentos e procuram, entre os vencedores, exaltar o triunfo, e,
entre os perdedores, justificar a derrota e reclamar os louros de uma vitória
moral devida a uma suposta injustiça, seja ela motivada pelo acaso, por
terceiros ou, nalguns casos raros, por erros próprios. Reconheçamos que é indiferente.
Viver o futebol intensa e apaixonadamente remete para todo um conjunto de actos
irracionais, para a aceitação de que se pertence a uma tribo e agir de acordo
com códigos próprios, interpretados individualmente, que resultam em
comportamentos distintos com consequência generalizada: O clube de cada um será
sempre, de alguma forma, melhor que o do outro.
Por isso faz tanto sentido a ideia de que se poderá explicar
tudo no futebol por este ser “mesmo assim”. Cada adepto lida com as suas
emoções à sua maneira, conforme está mentalmente preparado para lidar com elas.
Parece, no entanto, haver um sentimento comum a todos: nunca se reconhecer
mérito ao adversário.
Numa competição disputada por 18 equipas em poule a duas
voltas, seria lógico que se aceitasse o sistema de pontos como mecanismo
insofismável de aferição quanto à justiça do campeão. No entanto, sendo a
emoção a força motriz do argumentário utilizado, é certo e sabido que a razão,
por muito que seja evocada, estará sempre relegada para um plano secundaríssimo,
senão mesmo inexistente. Nem sequer interessa ao mundo do futebol que assim não
o seja.
Aos adeptos não certamente, pois fazem dos seus clubes uma
extensão das suas vidas e encaram, como seus, os sucessos e insucessos das
equipas. Por isso se encontram tantas vitórias morais entre os derrotados.
Muito menos aos dirigentes, que além de serem adeptos, são criticados pelos
seus correligionários, o seu poder é colocado em causa e, nalguns casos, até o
seu emprego. Além disso, têm a noção perfeita de que são, sobretudo, gestores
de emoções e que as receitas dos cubes que dirigem estão correlacionadas com o
sentimento geral dos adeptos que, neste âmbito, acabam por ser clientes. Nunca
aos mais variados profissionais, cuja recompensa financeira presente está dependente
do desempenho desportivo e a futura à percepção do potencial para o mesmo. O
mesmo se aplica aos agentes de jogadores, cujas comissões serão tão mais
elevadas quanto maiores forem os montantes das transferências e estes, como se
tem visto, são empolados ou limitados de acordo com o desempenho das equipas.
E, finalmente, nem sequer à comunicação social ou aos patrocinadores, seja pela
venda do produto da informação, seja pela associação de marcas, de nada lhes
valerá uma fatia relevante dos seus clientes deprimida e pouco propensa a
consumir. Em suma, na prática ninguém pode perder.
Mas, por muito que se teorize acerca dos méritos e deméritos
de cada um, há de facto vencedores e vencidos. Restringindo a análise aos “três
grandes”, o Benfica venceu em toda a linha e o F.C. Porto perdeu a todos os
níveis. Por aquilatar está em que medida o Sporting foi derrotado, sendo certo
que não venceu, por muito que tente passar uma aura de triunfalismo moral e
desajustado. Para melhor compreensão, ao invés de me debruçar sobre cada clube,
segmentarei a análise por vertente.
No plano desportivo, o vencedor é aquele que conquista mais
pontos. Daqui a 20 ou 30 anos, só os mais curiosos se dedicarão às incidências
do campeonato. Às de cada partida, apenas os obcecados (compulsivos?). Cada
campeonato tem a sua história e a deste resultou em 88 pontos para o Benfica,
86 para o Sporting e 73 para o F.C.Porto. O somatório dos pontos obtidos em 34
jornadas é consequência da regularidade de cada equipa e toda e qualquer
análise em contrário cai pela base. Mais surpreendente é que se tente incluir
resultados de outras competições no campeonato do mérito, como se estes
tivessem qualquer relevância para o título. Por essa lógica, o Portimonense,
por ter ganho ao Sporting na Taça da Liga, o qual venceu três dos quatro jogos
com o Benfica, mereceria ser campeão. Mas o clube algarvio perdeu com o Paços
de Ferreira, que, por sua vez, perdeu sempre com o Benfica. Afinal o Benfica,
seguindo esta “ilógica”, já seria um campeão meritório novamente. Certo é que o
Benfica se sagrou tricampeão, o Sporting fez o melhor campeonato desde que
venceu pela última vez, em 2002, e obteve a qualificação directa para a fase de
grupos da Liga dos Campeões, e o F.C.Porto foi uma sombra de si mesmo, o que,
tendo em conta o insucesso verificado nas duas temporadas anteriores,
ressuscita fantasmas daquele F.C. Porto pré Pinto da Costa, o clube que dava
alguma luta mas que raramente contava para a luta do título.
No plano financeiro, será extemporânea a análise e versarei
mais detalhadamente sobre as contas de cada clube nesta época assim que forem
publicados os relatórios do 3º trimestre e anual de cada SAD. No entanto, há
elementos que permitem formar uma ideia aproximada do estado financeiro presente
e futuro da cada SAD, nomeadamente as contas do 1º semestre e as consequências financeiras
da classificação final do campeonato e desempenho nas competições europeias.
Relativamente ao desempenho financeiro, esta foi uma época
de enorme retorno para o Benfica. A presença nos quartos-de-final da Liga dos
Campeões significou um encaixe de 28.5M€, a que se deverá somar o montante do
market pool que deverá ascender a 4M€ e as receitas de bilheteira. Por outro
lado, a luta acesa pelo título teve um impacto significativo nas receitas de
bilheteira em jogos do campeonato (a média de espectadores nas últimas cinco
partidas disputadas na Luz foi superior a 58300). Além disso, presume-se que a
componente variável dos patrocínios inclua o título nacional e a presença numa
fase avançada da Liga dos Campeões. Tendo em conta que, no final do 1º
semestre, a SAD benfiquista foi a única que apresentou lucro (4.6M€), são boas
as perspectivas para os encarnados (mesmo tendo em conta que o sucesso
desportivo acarreta, também, avultados pagamentos de prémios). A alienação do
passe de Renato Sanches por 35M€, mais uma componente variável que poderá
chegar a um montante global de 80M€, é a cereja no topo do bolo (financeiro).
Quanto ao Sporting, não deixa de ser preocupante que, pouco
tempo passado da reestruturação financeira, o prejuízo apresentado no primeiro
semestre de 2015/16 tenha sido de 18.1M€ e que tal tenha conduzido novamente a
SAD leonina a uma situação de falência técnica. Sem Liga dos Campeões, é de
crer que este prejuízo tenha aumentado desde o final desse período, o que
poderá resultar em necessidade de alienação de activos (até porque os custos
com pessoal quase que duplicaram sem que as receitas operacionais sem atletas
tenham acompanhado este crescimento). Pela positiva, a qualificação directa
para a fase de grupos da Liga dos Campeões assegura uma receita significativa,
apesar desta poder vir a ser retida devido ao caso Doyen (contudo, finalmente
na minha opinião, a Sporting, SAD constituiu uma provisão decorrente deste
processo, pelo que o custo já se encontra reflectido nas contas apresentadas).
Sobre o F.C.Porto, o terceiro lugar no campeonato implica
que terá que disputar a eliminatória de acesso à Liga dos Campeões. Além do
risco desportivo inerente, importa relembrar que, contrariamente à SAD
benfiquista, a portista opta por contabilizar este tipo de receitas no momento
da aquisição do direito. Ou seja, nas contas de 2014/15 não haverá qualquer
receita significativa da UEFA (a anterior fora contabilizada em 2013/14), a
menos que altere a forma de contabilização. A venda de Imbula reequilibrou as
contas que, no final do 1º semestre, eram previsivelmente deficitárias
(17.6M€), mas sem outras alienações, a tendência negativa manter-se-á.
Finalmente, o plano comunicacional. Começo pelo F.C.Porto,
cuja época desastrosa a todos os níveis pauta a estratégia. Todas as
expectativas criadas no início de temporada saíram defraudadas, correndo agora
o risco da mesma fórmula não funcionar na próxima época. A média de
espectadores confrangedora na segunda volta do campeonato indica isso mesmo
(nos seis últimos jogos no Dragão, excluindo o Sporting, a média ficou
ligeiramente acima dos 24000 espectadores). Este desânimo terá consequências na
captação de receitas. Por outro lado, começou-se a assistir a críticas à
liderança de Pinto da Costa (ou à sua equipa), algo que não se verificou, pelo
menos com tanta crispação, nos últimos 30 anos. A instabilidade, até hoje pouco
experimentada nas Antas, influenciará o planeamento da próxima temporada,
veremos com que resultados. E acresce o cada vez menor impacto, no futebol
português, das posições públicas do presidente portista.
No Sporting, julgo que assistimos a uma aposta sem
precedentes com vista à conquista do título nacional passados 14 anos. Os
constantes ataques ao Benfica não surtiram o efeito aparentemente desejado e
poderá ter descredibilizado definitivamente, perante as diversas instituições,
a sua equipa dirigente. As consequências poderão ser variadas, mas o mais
provável é que nada de relevante aconteça e assistamos, na próxima temporada (a
partir deste defeso), à recrudescência da mesma política de comunicação. Estará
por avaliar a reacção dos seus parceiros… No entanto, creio que muito do que é
argumentado publicamente visa, sobretudo, o plano interno. Neste domínio,
convém esperar que a espuma dos dias passe, apesar de me parecer que, para a
generalidade dos sportinguistas, não obstante o desaire desportivo em 2015/16
(ficou-se pela vitória na Supertaça), prevalecerá o sentimento de melhoria
relativamente ao passado recente, o que não deixa de ser factual.
Sobra o Benfica, que optou pelo silêncio quase sempre que
foi provocado e “limitou-se” a ganhar. No futebol, a máxima “quem ganha é quem
tem razão” nunca se deixará de aplicar.
Vida Económica - 20/5/2016