segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

2016/17, “all-in” portista?

O avançado portista Soares é o homem do momento no futebol português. Desde que se estreou na linha avançada do F.C. Porto, fez o gosto ao pé em todas as partidas em que participou no Campeonato Nacional, concretizando nove golos em seis jogos. Independentemente do desfecho da temporada, não será extemporâneo afirmar que a contratação portista alterou o campeonato. O F.C. Porto, de uma equipa bem organizada defensivamente, porém relativamente débil do ponto de vista ofensivo, tornou-se (até ver) também forte nas manobras ofensivas. Até Soares se estrear, na 20ª jornada, de dragão ao peito, os portistas marcaram 37 golos. Nas seis seguintes chegou aos 20 e a disputa do título com o Benfica, que pareceu estar, em dado momento, como que adormecida, voltou a ser uma realidade. Pelo caminho, o Sporting, em princípio, estará definitivamente afastado da corrida.

Porém, esta crónica não versa sobre os méritos (ou deméritos) desportivos da contratação de Soares. Agora é fácil afirmar que foi acertada e seria até ridículo defender o contrário, mas recuemos umas semanas. Quando o avançado brasileiro foi contratado, era notório que o F.C. Porto necessitava de um jogador consistente na finalização e que, mais do que a capacidade concretizadora revelada entretanto, emprestasse à equipa agressividade junto da área. Soares, aos 26 anos, tinha demonstrado no Vitória de Guimarães (22 jogos, 9 golos) e no Nacional (49 jogos, 16 golos) que poderia desempenhar esse papel competentemente, reservando-se contudo, as dificuldades comuns de adaptação a uma nova realidade competitiva, a um modelo de jogo diferente daquele em que se notabilizou anteriormente e a uma abordagem defensiva dos adversários mais cuidada e numerosa. O seu percurso anterior no futebol brasileiro não impressiona: Passagens por diversos clubes de divisões secundárias como o Pelotas, Veranópolis, Treze ou Cerâmica, entre outros, que só os mais profundos conhecedores reconhecem e, tendo em conta as estatísticas conseguidas, nem sequer nesses clubes se notabilizou.

Além disso, convém prestar atenção às péssimas contas apresentadas pela F.C. Porto, SAD. O prejuízo de 29.4 milhões de euros verificados no final do 1º semestre, na sequência de um défice acumulado significativo, resultando no incumprimento do fair play financeiro, aconselha mais que prudência, sob pena do modelo de gestão se tornar – se é que não o é já – insustentável. Neste ponto, sabe-se ainda que, ao prejuízo apresentado, se deverá ter em conta factos subsequentes, como a compra obrigatória do passe de Oliver (20 milhões de euros) e a receita da presença nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões já estar contabilizada, ao contrário do Benfica.

Os mais atentos saberão que a SAD portista contabiliza os prémios da Liga dos Campeões no momento em que adquire o direito a recebê-los, ao contrário das SAD do Benfica e Sporting, que o fazem paralelamente à disputa da competição. Poderá argumentar-se que a crença no sucesso de Soares era inabalável e, assim, o prémio da participação na próxima edição da Liga dos Campeões seria certamente contabilizado no corrente exercício. No entanto, quando a contratação se verificou, não se preveria o desnorte ocorrido em Alvalade e o presumível afastamento precoce da luta pelo apuramento directo da Liga dos Campeões. Por outro lado, há inúmeros exemplos de contratações mal sucedidas em qualquer dos “três grandes”, e nem é preciso recuar anos para encontrá-los. Depoitre, contratado ao Gent pelo F.C. Porto no último defeso por 6.5 milhões de euros (portanto, presume-se que igualmente indicado por Nuno Espírito Santo), tem sido uma desilusão, conseguindo apenas 2 golos em escassos 12 jogos disputados de azul e branco, geralmente como suplente utilizado.

Ora, o risco foi elevado (3.5 milhões de euros por 50% do passe, de acordo com a comunicação social), mas parece-me seguro afirmar que o investimento já está a ter retorno (nem que seja, pelo menos, devido ao apuramento directo para a fase de grupos da Liga dos Campeões na próxima temporada). Mas a pergunta tem que ser feita… Sabendo-se que, no futebol, o que interessa para a generalidade dos adeptos são os resultados desportivos, os quais, ultimamente, têm sido entusiasmantes para os portistas, e que Soares tem sido decisivo no percurso recente do futebol portista, o que se diria se Soares não tivesse obtido sucesso no curto prazo?

Nesse caso, os holofotes estariam certamente direccionados para as contas, pois a tendência negativa perdura, o que poderá pôr em causa a capacidade de investimento futura. Tendo em conta que, do ponto de vista da análise financeira, terá sempre que se estabelecer uma fronteira entre a emoção e a razão, logo não se poderá olvidar o desempenho financeiro. Os 29.4 M€ negativos registados no primeiro semestre de 2016/17, seguem-se ao pior resultado apresentado na história da SAD portista. Em 2015/16, o prejuízo atingiu os 58.4 M€. Desde o final do primeiro semestre de 2014/15 até ao último relatório apresentado, ou seja, decorridos dois anos, o capital próprio da SAD portista decresceu 58 milhões de euros (está agora em falência técnica: -3.4 M€). Não considerando as operações relacionadas com passes de atletas, os custos operacionais (63.7M€) continuam acima dos proveitos operacionais (58.7M€) e, comparando com Benfica (51.3M€) e Sporting (50.5M€), estão cerca de 25% acima dos rivais. Nestes destacam-se os custos de pessoal (38.9M€), contrastando com os 30.5M€ do Benfica e 31.6M€ do Sporting.

A conclusão é óbvia: A inversão da tendência negativa galopante é crucial. E há um indicador que demonstra essa necessidade, porque aponta para presumíveis dificuldades de tesouraria: Ao longo do primeiro semestre, a SAD portista recorreu a várias operações de factoring, totalizando cerca de 36M€ de receitas antecipadas. E o mais grave deste panorama é que apenas 7.7M€ correspondem a um montante por receber da alienação de um passe de jogador (Alex Sandro). O restante está relacionado com receitas operacionais futuras, como os valores a receber dos direitos televisivos (PPTV – 6M€; Altice – 18.6M€), direitos de distribuição do Porto Canal (Altice – 2.7M€), Prémios a receber da UEFA (oitavos-de-final – 6M€) e patrocínios (Altice – 2.3M€; New Balance – 0.34M€). Chamo particular atenção para a antecipação de receitas da venda dos direitos televisivos à Altice que, conforme é referido no relatório, corresponde a “dez prestações mensais de 2.666.667€ com inicio em 31/12/2018”. Ou seja, parte significativa da temporada 2019/20.

Entretanto, do Sporting foram chegando anúncios de bonança, do meu ponto de vista bastante empolados pelo período de campanha eleitoral vivido no clube. Se é verdade que o lucro obtido é impressionante (46.5M€), não menos o é que tal se deveu sobretudo às vendas de Slimani e João Mário, apesar de algum crescimento de várias componentes das receitas operacionais. O impacto positivo dessas operações já foi reduzido pela actividade normal, cujos custos crescentes (os custos com pessoal cresceram 261% em dois anos, 34,4% no último ano) contribuíram para um prejuízo de 16.5M€ no segundo trimestre. É certo que se poderá utilizar o argumento de que se recorrerá porventura, e de novo, à alienação de passes de atletas, mas com que custo desportivo? E que jogadores por que montantes? Há uns meses escrevi acerca do “campeão de mercado” e contrariei a opinião maioritária de que teria sido o Sporting. O seu percurso no campeonato tem-me dado razão (plos vistos não sobrestimei Slimani e João Mário…). E não nos esqueçamos da reestruturação financeira empreendida recentemente… Foram os custos acima dos proveitos em exercícios sucessivos que desencadearam a necessidade de promovê-la.


Quanto ao Benfica, considero os resultados bastante positivos. Não tanto pelo lucro apresentado, que é relativamente baixo (2.6M€), e apesar de ocorrer no primeiro semestre pelo terceiro ano consecutivo. Mas antes por ter acontecido num semestre em que os resultados das operações com passes de atletas foram negativos, contrariamente ao que tem sido costume. Além disso, o passivo decresceu 4,5% (cerca de 20M€) e, mais relevante, foi na parcela de empréstimos contraídos à banca que a maior parte deste recuo se verificou (13M€, tendo um impacto positivo de 1.3M€ nos juros suportados). Os quase 70M€ de proveitos operacionais (subida de 7%), bem acima dos rivais, são outra nota de destaque (assim como uma descida dos custos operacionais em torno dos 3%). E ainda, também aqui em sentido oposto ao F.C. Porto, os factos subsequentes permitirem optimismo quanto ao resultado que será apurado no final do exercício (alienação dos passes de Gonçalo Guedes e Hélder Costa por 45M€, mais-valias de 38.9M€).

Vida Económica - 24/3/2017

Números da semana (170)

1 O Benfica ganhou o Campeonato Nacional de estrada (5 kms). A nível individual, o campeão nacional foi Luís Oliveira, do Benfica; 5,1% ...