quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Ângelo

Desde miúdo que, para mim, “Ângelo” era sinónimo de benfiquismo e grandeza. Apercebi-me da presença constante do nome Ângelo nos maiores feitos do clube ao perscrutar os livros sobre o Benfica, mas era pela voz do meu pai que “Ângelo” ressoava em mim como um símbolo benfiquista, merecedor de admiração incondicional e de múltiplos elogios.

Havia uma clara distinção entre a linha da frente e os outros. O Ângelo fazia parte dos outros, igualmente imprescindíveis. A polivalência do Cavém, a “loucura” do Cruz, a classe do Germano e a raça, mas com técnica, do Ângelo, em nada eram desmerecidas pelo meu pai nas sucessivas e reiteradas loas, obviamente nostálgicas, ao Benfica europeu da década de 60.

E, quanto ao Ângelo, acrescia a particularidade do meu pai ter tido o privilégio de o ter conhecido. O Ângelo não era apenas um dos maiores nomes da história do Benfica, sabia-o também um defensor intransigente da causa benfiquista, um formidável contador de histórias e um homem que conjugava uma rara capacidade para se mostrar disciplinador com os miúdos que formava enquanto, num registo informal, agraciava os convivas com o seu sentido de humor apurado.

E os anos passaram, cresci, desenvolvi a minha cultura benfiquista e tornei-me autor de vários livros sobre o nosso clube. Foi na apresentação de um deles que o Ângelo, o super-herói, passou a ser, para mim, de carne e osso, o Senhor Ângelo. A humildade e simpatia do Senhor Ângelo foram desconcertantes. Não fiquei seguro de ele se ter apercebido do meu aperto de mão carregado de admiração, adquirida e herdada, que sentia por ele. E, por isso, fiz questão de a verbalizar. Nunca esquecerei a resposta: “Meu amigo, todos fazemos o que podemos pelo nosso Benfica”. Paz à sua alma!

Jornal O Benfica - 16/10/2020

Bem vindo Otamendi

Optimista, me confesso, nunca hei-de entender plenamente o benfiquismo autofágico. A mentalização, dos pessimistas militantes, para lidarem com uma eventual decepção no futuro é compreensível; já a irritante predisposição para, confirmadas as propaladas desgraças, logo se recolherem louros por uma suposta capacidade premonitória (só evocada quando se acerta), nem por isso.

Não está em causa o arrebatado amor pelo clube, a dedicação ou o enorme desejo de sucesso e conquistas, pelo que estranho ainda mais, por tão recorrente, que estes benfiquistas em tudo vejam defeitos e que quase nada os satisfaça. Chamam-lhe exigência, mas é outra coisa qualquer. Algumas das reacções à estreia de Otamendi são exemplificativas do que estou a tentar explicar.

Saiu Rúben Dias, entrou Otamendi. Por conseguinte, Rúben Dias foi imediatamente elevado ao estatuto de Humberto Coelho, enquanto que, a Otamendi, já só deveria restar o Chipre ou a Arábia Saudita.

A exibição categórica de Otamendi na primeira parte ante o Farense, no seu primeiro jogo da época passados escassos dias da chegada a Portugal, motivou, diria à falta de melhor expressão, uma decepção feliz nesse tipo de benfiquistas. Otamendi mostrou todos os seus excelentes atributos e eles, desconfiadamente, pensaram “talvez sirva”. Com o desacerto na segunda parte ressurgiu a má vontade e o lamento “Com o Rúben isto não teria acontecido”. Não interessa que Rúben Dias, não obstante o seu enorme valor como futebolista, tenha sido o protagonista de diversos lances infelizes (de resto, como qualquer outro defesa central). Ou que tenha sido mais que evidente a falta sobre Otamendi no segundo golo do Farense. Só a “exigência”, como a apelidam.

Jornal O Benfica - 9/10/2020

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Para lá do Benfica

“O que mais poderei procurar?”, pergunta Nemorino (tradução livre de “Che più cercando io vo?”) na ópera O Elixir do Amor, de Donizetti, mais concretamente na celebérrima ária Una Furtiva Lacrima. Lembrei-me desta passagem ao constatar a emoção de Fejsa durante toda a entrevista, concedida à BTV, para assinalar a despedida do Benfica.

Rodeado pelos 14 troféus que ajudou o clube a conquistar (embora não tenha jogado em duas das quatro supertaças), o nosso (agora) antigo jogador desfez-se em pranto, incapaz de suster as lágrimas, como que se perguntando o que mais poderá procurar após sete anos de águia ao peito.

Fejsa não foi formado no Benfica, mas defendeu as nossas cores com benfiquismo. Graças ao seu profissionalismo, competência, dedicação, espírito de equipa, capacidade de superação e competitividade, portanto, numa palavra, mística, o sérvio revelou ser um jogador modelo para todos os que ambicionam, um dia, merecer a suprema honra de representar o nosso clube.

Rúben Dias reúne as mesmas qualidades de Fejsa, mas exacerbadas pelo benfiquismo de berço, além de ter ainda muitos anos de futebolista pela frente. Embora mais contido que o antigo colega, aquela pausa na entrevista rápida após o jogo com o Moreirense foi muito reveladora. O Rúben não interrompeu o discurso para pensar no que haveria de dizer; pelo contrário hesitou porque sabia perfeitamente o que lhe ia na alma. Tento imaginar-me no lugar dele: convicto de ter dado o passo certo, futebolística e, sobretudo, financeiramente, mas ciente de que, só talvez num futuro a longo prazo, voltaria a orgulhar-me de representar o meu clube. As libras são muitas e a ambição profissional é satisfeita, mas não deve ser fácil.

Jornal O Benfica - 02/10/2020

Mais do mesmo

Na semana passada insurgi-me contra o tratamento noticioso das contas apresentadas pela Benfica, SAD. Os excelentes resultados foram quase ignorados em detrimento do cumprimento apertado de uma recomendação da UEFA no âmbito do fair play financeiro.

Assim, já não estranhei que, após a eliminação da Liga dos Campeões, se multiplicassem os Nostradamus, mesmo reconhecendo o forte revés, desportivo e financeiro, que o desaire implica. Qualquer um perceberá que a sonegação dessa enorme receita é muito relevante, mas daí até cenários apocalípticos vai uma grande distância.

Vi de tudo, até alguém, publicado num jornal de economia, a confundir o montante de uma compra com o custo contabilizado dessa compra numa época. Não há grande mal que o cidadão comum ignore o conceito contabilístico de amortizações... a menos que o atropele num meio especializado.

Como este houve outros, só diferindo na criatividade com que abordaram a questão. De todos resultou a mesma lapalissada: A Benfica, SAD, se não vender jogadores, dará prejuízo.

Mas convém realçar que 2020/21 só terminará em 30 de junho. Havendo necessidade de vender jogadores, tanto poderá ser hoje como no final da época. E confirmando-se o hipotético prejuízo, qual é o problema que ocorra de vez em quando? A lucrar há sete anos consecutivos, a Benfica, SAD tem capitais próprios a rondar os 161 M€, significativamente acima do capital social, comprovando que há resultados acumulados positivos. Acresce que não existe para distribuir dividendos aos accionistas. E num ano em que se investe fortemente no apetrechamento do plantel, é natural que se verifique deficit, sabendo-se que se incrementa a probabilidade de retorno desportivo e financeiro...

Jornal O Benfica - 25/09/2020

E o fair play jornalístico?

O aforismo sobejamente conhecido, popularizado em inglês, no news is good news (não haver notícias é boa notícia) há muito que caracteriza, na perfeição, a relação entre a comunicação social e os consumidores de notícias. Só é notícia o que está mal. E se nada está mal, o ciclo noticioso tem de continuar a ser alimentado de alguma forma. A transformação do sector nos últimos 25 anos, nomeadamente a acentuada redução das receitas, agudizou esta tendência. E o tratamento dado ao último relatório e contas apresentado pela SAD do Benfica é, na melhor das hipóteses, só mais um exemplo paradigmático deste contexto.

Sob qualquer prisma, deve-se reconhecer as magníficas contas apresentadas. Resumindo: Segundo maior lucro da história, o sétimo consecutivo; Reforço dos capitais próprios muito para lá do capital social; Aumento do activo; Queda do passivo na ordem dos 10%; Endividamento financeiro aquém dos 100 milhões de euros, o mais baixo da década; Dívida líquida a atingir um mínimo histórico; Recorde de receitas (quase 300 M€); Rendimentos operacionais, sem atletas, que bateriam o máximo anterior não fosse a pandemia; Etc.

Perante isto, o que foi destacado na comunicação social? O cumprimento, à risca, de uma recomendação da UEFA no âmbito do Fair Play Financeiro. Vou repetir: o cumprimento de uma recomendação! E nem valerá a pena mencionar que, nos restantes indicadores e recomendações, a situação da SAD do Benfica é exemplar. Isto num país que tem um clube intervencionado pela UEFA e outro que, não fossem os perdões da banca, desculpem, a reestruturação da dívida bancária, se calhar já nem existiria. E ambos estão falidos tecnicamente há vários anos, um mero pormenor.

Necessidade ou agenda?

Jornal O Benfica - 18/09/2020

Falta de pudor

É sabido que, numa casa, quando a necessidade entra pela porta da frente, o pudor foge a sete pés pelos fundos.

No Sporting há muito que a necessidade se instalou, passando a regra e manifestando-se sob diversas formas e feitios. As soluções, sempre alegadamente miríficas, raramente resolvem os problemas, pois estes assentam em algo estrutural e manifestamente irresolúvel. Trata-se do Benfica. Perderão sempre na comparação, não há volta a dar-lhe, por muito que insistam em (sobre)viver acima das possibilidades.

Naturalmente que tal estado de coisas promove a instabilidade. O Sporting será sempre um projecto inacabado, aquém do proposto. E resulta disto que quem o lidera se sinta na contingência de ter de propalar supostos feitos de forma sistemática.

Agora são as contas apresentadas em tempos pandémicos. Alardeiam o lucro e o seu maior volume de negócios de sempre, regozijando-se de o terem conseguido apesar da pandemia. E eu prefiro constatar que o desequilíbrio estrutural se agudizou (39 milhões de euros negativos nos resultados operacionais sem atletas) e sorrio devido ao quadro dos resultados operacionais ajustados que expurga o efeito da pandemia, indemnizações e provisões, como se estas duas últimas não ocorressem todos os anos. E o mais caricato é que assim se fica a saber que o impacto directo da pandemia se ficou por 3,7 milhões de euros, o que não justifica a grandeza do prejuízo operacional ou muito menos faz valer as desculpas de mau pagador aquando do “roubo” do treinador ao Braga.

P.S.: Por falar em necessidade, vendo-se na contingência de, por uma vez, se ter de cumprir regras em Contumil, as críticas a Mendes foram metidas no bolso. Lá o pudor não se esvai pelos fundos da casa... nunca sequer lá esteve.

Jornal O Benfica - 11/09/2020

Números da semana (171)

1 O Benfica conquistou, pela 1ª vez, a Taça FAP de andebol no feminino; 3 Di María isolou-se na 3ª posição do ranking dos goleadores b...