Na minha crónica publicada em Outubro do ano passado, defendi que a
atribuição de um título de campeão do mercado se trata de um exercício pueril.
Em qualquer sector de actividade, ainda mais no futebol, nem tudo o que parece
bem no papel resulta na prática e esta temporada em particular é um bom exemplo
disso mesmo.
Na altura, a generalidade dos analistas considerou o conjunto de operações
de aquisição e cedência de passes de atletas realizadas pelo Sporting no
mercado de Verão o melhor entre os chamados três grandes. Passados nove meses,
e um terceiro lugar no campeonato a enorme distância do campeão, além do
insucesso precoce nas restantes competições, sucederam-se os lamentos de Jorge
Jesus, o treinador leonino, quanto à carência de soluções no plantel à sua
disposição, contrariando as avaliações por terceiros após o fecho de mercado.
Há um erro comum neste tipo de análise: Soma-se tudo. Isto é, listam-se os
reforços, comparam-se estes com as saídas, parte-se do princípio que os novos
jogadores apresentarão um rendimento mais elevado que os anteriores (nos casos
em que saem estrelas, presume-se que as entradas sonantes as compensarão),
dá-se por certo que a evolução das “promessas” continuará e que o desempenho de
atletas consagrados atingirá, no mínimo, níveis semelhantes aos anteriormente
obtidos. Não se considera, no entanto, a possibilidade de ocorrência de lesões,
inadaptações ao clube, ao treinador, aos colegas, aos métodos de trabalho ou ao
modelo táctico, problemas pessoais, ou ainda sobreposição de competências (por
vezes mantendo ou mesmo criando lacunas) entre elementos do plantel.
Mas mesmo mantendo a opinião sobre a inutilidade da atribuição de títulos
de campeão do mercado de transferências, considero que existem pistas indiciadoras
de quem poderá ter saído a ganhar desse período (ou a perder menos, no caso
português, dado que a necessidade de entradas de dinheiro é o que normalmente
mais condiciona as decisões tomadas pelos clubes).
Por exemplo, se o desempenho na temporada anterior tiver atingido um
patamar satisfatório, a estabilidade é o factor mais decisivo. Até em casos de
equipas mal sucedidas, poucos reforços, mas bons (aqueles que possivelmente
suprimirão as lacunas identificadas no plantel), serão, à partida, melhor
rentabilizados do ponto de vista desportivo. As revoluções nos plantéis são,
tendencialmente, infrutíferas no curto prazo. Nos desportos colectivos há
dinâmicas imprescindíveis que raramente são conseguidas no imediato, colocando
em risco a obtenção de bons resultados desportivos.
Avaliando à posteriori a temporada 2016/17 – reconheço que agora é fácil,
mas julgo beneficiar do facto de ter defendido a mesma opinião há nove meses –
o Benfica foi o campeão de mercado (na medida em que tal poderá ser definido).
Se no presente se torna numa evidência porque, do meu ponto de vista, campeões
de mercado são aqueles que se sagram campeões no campo, em Outubro o factor
mais relevante a ter em consideração foi a estabilidade. Do onze titular na
época anterior, apenas dois jogadores haviam saído: Gaitán e Renato Sanches. Se
para o lugar do jovem médio português não chegara qualquer reforço sonante
(embora se antevisse que Pizzi regressaria a essa posição e que André Horta
poderia desempenhar esse papel), em substituição do argentino surgira outro
atleta das pampas, Cervi, o melhor jogador do campeonato do mundo de sub20,
Zivkovic, e um dos mais destacados atletas em Portugal, Rafa, além do regresso
de Salvio, que passara lesionado a maior parte da temporada anterior. Em
nenhuma outra posição se poderia antever qualquer eventual constrangimento para
os encarnados (excepto eventuais lesões), dado que todos os atletas importantes
da época anterior permaneceram no plantel (à excepção de Talisca que
apresentara inconsistência ao longo do ano). A acrescentar a este saldo de
entradas e saídas, a equipa técnica manteve-se à frente da equipa, gozando de
um factor importantíssimo no futebol, emanado do sucesso obtido meses antes:
mais uma vez, estabilidade.
No caso portista, a simples mudança de equipa técnica acarretou alguma
indefinição. Porém, o ponto de partida era, em virtude do fraco desempenho na
temporada anterior, claramente mais recuado que o dos seus adversários.
Relativamente à construção do plantel, o elevado investimento era tido como
necessário de forma a equilibrar, no curto prazo, as possibilidades de regresso
à conquista de títulos. Houve, no entanto, uma lacuna que transitou da
temporada passada e que me parece ter sido fundamental no decurso da época que
agora finda: A ausência de jogadores com títulos no seu currículo. As excepções
encontram-se em Maxi Pereira e Casillas, que não obstante as boas temporadas
conseguidas, não são hoje os mesmos jogadores que já foram no passado. Este
factor parece-me deveras significativo, tendo em conta a míngua de títulos dos
azuis e brancos nos últimos anos em contraste com décadas de sucesso constante.
Os adeptos, ávidos das celebrações a que tanto estavam habituados, passaram
rapidamente do apoio ao transporte de ansiedade das bancadas para o relvado,
colocando dificuldades acrescidas aos intentos dos inexperientes (hábito de
ganhar) jogadores portistas. Acresce que só em Janeiro chegou Soares, um atleta
que, integrado no modelo de jogo de Nuno Espírito Santo, conseguiu materializar
em golos a produção ofensiva da equipa, mais caracterizada por ser musculada
que por ser criativa ou resultar de soluções tácticas. Em suma, os portistas
sentiram a pressão, não conseguindo aproveitar algumas oportunidades para se
colocarem na liderança da classificação e recolher benefícios de uma eventual
dinâmica positiva que daí se poderia gerar.
Do lado sportinguista verificou-se um falhanço total. A época até nem
começou mal, mas a partir do momento em que o chão lhe começou a fugir dos pés,
entrou numa espiral negativa de que nunca mais se conseguiu soltar. Além dos
erros de casting na construção do plantel e da incapacidade compreensível para
colmatar as saídas de Slimani (Bas Dost é um goleador impressionante, mas fica
muito aquém do argelino nas restantes vertentes do jogo) e João Mário (menos
desequilibrador que o excelente Gelson Martins, mas mestre a pensar o jogo
colectivo), contribuiu decisivamente o factor pressão. Se as catorze temporadas
sem sucesso no campeonato (agora quinze) são enormemente penalizadoras para a
equipa (os adeptos têm a ideia de um Sporting vencedor que já não existe,
colocando pressão desmesurada na equipa), creio que a realização de eleições
foi igualmente penalizadora para a equipa neste domínio. Por vezes deu-me a
sensação que a estratégia comunicacional implementada pelo Sporting visou,
demasiadas vezes, proteger os interesses do candidato presidencial Bruno de
Carvalho do que os objectivos da equipa de futebol. A contrastar, no entanto,
com esta percepção que guardo do percurso leonino esta época, esteve a
excelente decisão tomada em Janeiro, reconhecendo, no fundo, erros cometidos
meses antes ao dispensar alguns jogadores e conseguindo, com essa decisão, a
redução da massa salarial nos meses que restavam da temporada.
A questão da comunicação também marcou a presente época. Não me alongarei
agora sobre este tema, pois já o fiz anteriormente, mas sublinho o protagonismo
inusitado dos directores de comunicação no futebol português. Obviamente, não
diminuo a relevância da sua actuação, mas por favor, e a bem do futebol,
resguardem-se nos seus gabinetes e deixem os holofotes para quem realmente
interessa aos adeptos: Os treinadores e os jogadores. São eles quem vendem
bilhetes e subscrições de canais de televisão, não tenhamos quaisquer dúvidas
disso.
Termino com outro tema marcante da temporada e que prometo desenvolver numa
crónica futura: A notícia da implementação do vídeoárbitro na primeira divisão
do futebol português. Trata-se de uma excelente notícia! Espero, no entanto,
que a concretização da utilização de tecnologias de apoio à tomada de decisão
dos árbitros seja muito bem ponderada. Há dois meses escrevi uma crónica
defendendo o vídeoárbitro e realço agora a minha principal preocupação quanto à
sua utilização: Contrariamente aos vários desportos em que o vídeoárbitro tem
sido utilizado com sucesso, o futebol caracteriza-se pela raridade dos golos.
Condicionar os festejos de todos ou da maior parte dos golos à espera por uma
decisão da equipa de arbitragem, prejudicará o futebol. Limitar a aplicabilidade
deste recurso a situações concretas poderá ser a forma mais ajuizada de
implementar esta medida. E, já agora, que às primeiras dúvidas, não se coloque
em causa a idoneidade e isenção dos operadores de câmara… Em todo o caso, os
meus parabéns à Federação Portuguesa de Futebol pelo seu empenho nesta questão.
Vida Económica - 26/5/2017