segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Empate (até ver) no mercado

A voragem mediática que o futebol está sujeito (e de que se serve), sendo um sector de actividade fortemente caracterizado pela implementação, por parte dos clubes, de políticas de comunicação que resultam em acesso “livre” quase inexistente, da comunicação social, aos protagonistas, restando-lhe um sem fim de mensagens estereotipadas, a maior parte vazias de conteúdo, leva a que predomine a especulação e o empolamento no tratamento informativo que é dedicado ao “desporto-rei”.

Na chamada “silly season”, ou defeso, em que a paragem das competições reduz ainda mais os conteúdos à disposição dos meios de informação, assiste-se a uma escalada de não assuntos e a um crescimento inusitado do ritmo especulativo, pois a nobre arte de informar está sujeita, sob pena de perecer, a que haja quem se interesse pelo seu produto e, consequentemente, por ele pagar. Ora, sem temas e pressionados por forte concorrência, sucedem-se os anúncios extemporâneos e muitas vezes infundados de contratações ou alienações de jogadores, quais rumores feitos notícias, fundamentados em diz-que-disse ou em presumíveis dotes extraordinários de adivinhação. Não se trata de uma crítica à comunicação social, antes entendo-a, no fundo, sem colaboração dos clubes, faz pela vida. O fecho do mercado de transferências é um exemplo clássico deste fenómeno.

O problema para a comunicação social, neste contexto, é a delimitação temporal dos acontecimentos. No caso do fecho do mercado, a 31 de Agosto, deu-se a coincidência do Campeonato Nacional ter parado devido aos compromissos das selecções, só regressando passados nove longos dias. Por isso, assistimos a um prolongamento do tema mercado, explorado incessantemente, com direito, inclusive, à proclamação de um campeão. É neste ponto que me pretendo focar, começando por afirmar que não faz qualquer sentido eleger um “vencedor do 31 de Agosto”, até porque, recorrendo a uma máxima do futebol, “quem ganha é quem tem razão”.

Logo, seguindo esta lógica, o campeão de mercado será sempre o campeão no campo. Se há três clubes a assumirem-se enquanto candidatos ao título, ganha no mercado o que, no final da respectiva temporada, se sagra vencedor. Não há volta a dar. Mesmo no caso das análises que se pretendem factuais, há variáveis desconhecidas, desde o pagamento de comissões a empresários aos montantes condicionados ao desempenho, ou ainda e principalmente, ao retorno, desportivo ou financeiro, que uma aquisição poderá representar no futuro.

Pondo a questão de forma simples, quando o Benfica vendeu David Luiz ao Chelsea por 25M€, não se antevia que, passados poucos anos, Matic, comprado pelo clube da Luz por 5 M€ na mesma negociação, regressaria a Londres a troco de 25M€. Ou o caso de Fábio Coentrão, cedido pelos encarnados ao Real Madrid por 30M€ e algo mais que ninguém deu grande importância: a anulação da cláusula de direito de recompra do passe de Rodrigo por um valor fixado (12M€, o dobro do que o Benfica despendera na sua compra). Dois anos volvidos, o passe do atleta hispano-brasileiro seria alienado por 30M€ ao Valência. Ou ainda Slimani, que custara apenas 300 mil € ao Sporting e, além do notável rendimento desportivo, fez entrar nas contas do Sporting 30 M€ que poderão chegar aos 35. E Montero, cuja venda em Janeiro rendeu 5M€ e foi colmatada pelo ingresso de Barcos, sempre atracado ao banco de suplentes, mas que poderá ter sido uma das principais razões para que o Sporting não tenha regressado ao título nacional na temporada passada. Ou Taarabt, contratado pelo clube da Luz a “custo zero” sem que, passado mais de um ano, tenha ainda actuado de águia ao peito em qualquer jogo a contar para uma competição oficial…

Estes exemplos, como tantos outros que poderiam ser dados, são demonstrativos de que os efeitos, sejam eles positivos ou negativos, das operações dos clubes no mercado de transferências, se estendem para além do fecho, pelo que a sua avaliação, se realizada no imediato, se torna redutora, senão mesmo inútil. Mas há mais!

Além dos montantes fixos de transferências e empréstimos, deverão ser considerados, nos casos em que existem, os variáveis, dependentes do cumprimento de objectivos. Geralmente, o seu valor potencial é conhecido, mas raras são as situações em que é divulgada a sua composição. Renato Sanches foi vendido por 35M€ e sabe-se que poderá chegar a 80M€, embora não se conhecendo como. A única pista dada até ao momento incide na expectativa de que 25 dos 45M€ relativos aos objectivos serão facilmente cumpridos. O mesmo se aplica aos 10M€ de objectivos condicionados ao desempenho dos ex-leões João Mário e Slimani e, eventualmente, Inter e Leicester, os clubes compradores. Do mesmo modo, existem ainda cláusulas que premeiam uma futura venda, como foi agora o caso de André Gomes, cedido pelo Valência ao Barcelona e em que o Benfica tinha direito a 25% da mais-valia.

Assim, o Sporting, entre cedências definitivas e empréstimos, facturou cerca de 77M€ que poderão chegar aos 87 (sem contar com a percentagem da mais-valia de uma eventual futura venda de Naldo). O Benfica registou à volta de 73M€ (incluindo cerca de 5M€ provenientes da venda de André Gomes ao Barcelona realizada pelo Valência). E o F.C. Porto, ao contrário do que é habitual, viu entrar nas suas contas apenas 8M€. No sentido contrário, o Sporting despendeu cerca de 27M€, o Benfica 39 e o Porto aproximou-se dos 20.

Neste ponto, para uma avaliação correcta das movimentações de mercado, seria necessário conhecer as modalidades de pagamento e recebimento. Na maior parte dos casos, estes não são comunicados ao público, embora seja possível por vezes, em relatórios posteriores, deduzir o que foi acordado entre clubes, nomeadamente através da discriminação das rúbricas de fornecedores e clientes. O faseamento do pagamento ou recebimento tem implicações significativas na gestão de tesouraria e até mesmo no valor da transferência, em caso de necessidade de financiamento para suprir necessidades de tesouraria. Por isso é comum constarem operações de factoring nos relatórios das SAD do futebol, o que significa que, na prática, o montante recebido é, afinal, menor do que o estipulado.

Outra questão está relacionada com a propriedade dos passes, seja na venda, com entrada de dinheiro inferior ao montante da venda se a titularidade do passe for parcial (ou se existirem cláusulas de pagamento de uma percentagem da mais-valia), seja na compra, que poderá afectar o recebimento numa futura venda ou implicar a compra do resto do passe numa data acordada mediante determinadas condições (p.e. caso surja uma oferta de um terceiro clube). Entre as operações registadas no último período de transferências, hás os casos de Jiménez, em que o Benfica comprou metade do seu passe que era ainda pertença do Atlético Madrid, e João Mário e Slimani, cujos montantes anunciados, sem dúvida impressionantes, não encontram paralelo no dinheiro que a SAD sportinguista receberá. Assim, dos 40M€ que o Inter pagou por João Mário, o Sporting receberá 30 pois detinha 75% do passe. Quanto ao argelino, em que o campeão inglês Leicester se disponibilizou a investir 30M€, significa uma entrada de cerca de 24M€ devido, segundo a comunicação social, ao direito do antigo detentor do passe a 20% da mais-valia que, neste caso, é quase a totalidade do montante pois o atleta custou ao Sporting apenas 0.3M€.

As mais-valias são outro aspecto a ter em conta. O seu valor resulta do montante despendido deduzido das amortizações. Não é igual vender um jogador contratado por quatro temporadas por 10M€ que tenha cumprido um ano de contrato ou três, por exemplo. No primeiro caso, a mais-valia será de 2.5M€, no segundo de 7.5M€. Nos jogadores a “custo zero” ou provenientes da formação, calcula-se a partir do montante total do contrato com o jogador. E quanto a estes (incluindo os emprestados), apesar do nulo no somatório das compras, é comum tratar-se de atletas que auferem vencimentos elevados e/ou recebem um avultado prémio de assinatura.

Finalmente, há que ter em conta acordos que possam significar consequências na entrada ou saída de dinheiro, como, por exemplo, a reestruturação financeira da SAD leonina, em que, de acordo com documentos disponibilizados no chamado “football leaks”, metade do valor das vendas acima de 8M€/ano terão que ser entregues à Banca (30% para amortizar empréstimos e 20% para fundo de reserva da Banca). Este caso em concreto não invalida os óptimos negócios feitos pela Sporting, SAD com estes atletas, até porque, tendo em conta as VMOC, permitem mitigar o risco da perda de controlo da SAD por parte do Sporting Clube de Portugal, conforme referi em crónicas anteriores. Não se pode, no entanto, somar as entradas de capital e pensar-se, de seguida, que todo esse dinheiro poderá ser reinvestido no apetrechamento do plantel.


Concluindo, são demasiadas as variáveis a ter em conta num processo de avaliação da actuação dos clubes no mercado (além das referidas), os seus efeitos são diversos e nem todos coincidem temporalmente. Eleger campeões disto e daquilo, apesar de eventualmente compensador em cliques para os sites de notícias, pouco ou nada acrescenta à discussão e sobretudo menos informa.

Vida Económica - 23/9/2016

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