Recentemente, Domingos Soares Oliveira, o CEO da SAD do S.L.
Benfica, foi eleito para a direcção da Associação Europeia de Clubes de
futebol. Esta eleição é prestigiante para o próprio e para o Benfica, assim
como, no passado, o foi para Fernando Gomes e F.C. Porto, quando o actual
presidente da Federação Portuguesa de Futebol era administrador da SAD portista
e desempenhou as mesmas funções na ECA.
Para Domingos Soares Oliveira, existem “vários desafios,
alguns específicos e outros comuns”, entre os quais destacou três, o que me
leva a pensar que serão aqueles que, no futuro próximo, mais serão discutidos
entre os membros da associação: A possibilidade de existência de uma Superliga
e o acesso à mesma; os centros de treino de excelência de jogadores; e a janela
de transferências. Quanto aos dois últimos, serei breve.
Relativamente aos centros de treino de excelência de
jogadores, parece-me que a FIFA e a UEFA deram os passos possíveis no sentido
da valorização do trabalho desenvolvido pelos clubes formadores. A primeira
através da criação do mecanismo de solidariedade, em que 10% do valor total de
cada transferência é entregue ao(s) clube(s) formador(es). A segunda ao excluir
as despesas inerentes à formação de jogadores no âmbito da avaliação do chamado
fairplay financeiro. Ir mais longe seria difícil, até porque, na União
Europeia, há livre circulação de pessoas. A ECA, sim, poderá ter uma palavra a
dizer nesta matéria, caso os seus membros se decidirem por uma espécie de pacto
de não-agressão.
Quanto à janela de transferências, todos os anos assistimos
a negócios entre clubes em cima do prazo do fecho do mercado, quando as
competições estão já em andamento. Na sua génese, os prazos foram definidos com
uma intenção benigna: Os clubes, após os primeiros jogos da temporada, estariam
mais aptos a identificarem eventuais lacunas nos seus plantéis e supri-las
recorrendo à aquisição de jogadores. Teriam também mais tempo para avaliarem se
os jogadores teriam qualidade, ou não, para integrarem os plantéis. No entanto,
a realidade extravasou o plano das intenções, resultando numa desigualdade
evidente entre os clubes mais endinheirados e a sua concorrência, ao estenderem
ao máximo as negociações até um momento que, se pressionados pelo prazo limite,
pagam as cláusulas de rescisão e arrumam a questão. Tal parece benéfico para os
clubes vendedores, dando a impressão que poderão limitar-se a esperar por 31 de
Agosto e rentabilizarem ao máximo os seus activos. Porém, deparam-se com dois
constrangimentos que condicionam a sua actuação no mercado: Por um lado, a
incerteza da venda de determinados jogadores e a finitude dos recursos
impede-os de contratarem substitutos sem terem a garantia de que venderão os
tais jogadores. Por outro, os atletas, cientes de que estarão perto de passarem
a auferir salários mais elevados, pressionam os dirigentes para que estes se
decidam pela venda do seu passe. Se antecipar o prazo do fecho de mercado é a
solução mais óbvia, creio que a criação de um mecanismo intermédio poderia ser
a ideal. Por exemplo, nas duas semanas finais da janela de transferências, a
capacidade de investimento dos clubes estar limitada a uma percentagem do
montante total despendido ou recebido desde a reabertura do mercado de
transferências pela aquisição ou alienação de passes.
Mas a Superliga Europeia de futebol é a grande questão e
sempre tive a sensação que foi com o propósito da criação da mesma, ou talvez
apenas com a possibilidade de ameaça da sua criação enquanto instrumento de
pressão junto da UEFA, que a Associação Europeia de Clubes foi criada.
O futebol é gerido, a nível mundial, pela FIFA. Dela fazem
parte mais de duas centenas de associados (as federações de futebol de cada
país), que se agrupam por confederações, como é o caso da UEFA, da qual a
Federação Portuguesa de Futebol faz parte. A FIFA, criada em 1904, é
responsável pela organização do futebol e de competições internacionais,
nomeadamente os Campeonatos do Mundo de selecções e clubes. A UEFA, fundada em
1954, organiza as competições europeias de clubes, além do Campeonato da Europa
de selecções. No entanto, contrariamente ao que parece ser evidente, o
monopólio da organização das competições internacionais resulta somente da
antecipação e não de qualquer outra razão. O primeiro Campeonato do Mundo foi
realizado em 1930, passados 26 anos da fundação da FIFA. A UEFA organizou o
primeiro Campeonato da Europa em 1960, seis anos depois de ter sido criada, e
até a sua primeira competição europeia de clubes, a Taça dos Clubes Campeões
Europeus, só passou a estar na égide da UEFA em 1956, na sua segunda edição,
pois a primeira fora da iniciativa do jornal francês L’Équipe. Aliás, já antes
se haviam disputado provas oficiais, porque organizadas por federações, de
âmbito internacional, como foram os casos das taças Mitropa ou Latina, a qual
foi conquistada pelo Benfica em 1950.
Resumindo, a FIFA foi fundada nos primórdios do futebol (só
em Inglaterra já se disputavam competições há décadas), num tempo em que o
contacto entre as poucas equipas existentes em cada país era muito limitado.
Mesmo a UEFA, criada meio século depois, quando as competições nacionais já
atingiam alguma maturidade e já se haviam realizado algumas experiências de competições
internacionais, conquistou o seu espaço pela quase inexistência desse género de
provas, tornando-se, à semelhança da FIFA, monopolista da organização de
competições.
Nas raras ocasiões em que a eventual criação de uma
Superliga Europeia de futebol é tema de análise em Portugal, logo são apontados
supostos constrangimentos à sua criação baseados numa pretensa impossibilidade
dos clubes em tomarem uma iniciativa desse cariz e, assim, enfrentarem a UEFA.
Por vezes até se reconhece que os clubes poderiam ter a capacidade de se
organizarem e tentarem promover uma competição internacional entre si, mas logo
são apontadas inúmeras possibilidades de retaliação da UEFA e FIFA que
inviabilizariam logo à partida o arrojo dos clubes. Esquecem-se, no entanto, que
quem manda efectivamente no futebol são os adeptos porque são eles os
consumidores de futebol. E as suas motivações estão bem tipificadas: afecto
clubista e prazer de ver os melhores artistas. Ora, se os adeptos pagam para
ver a sua equipa ou os seus jogadores preferidos, pagarão independentemente de
quem organiza as provas. Os jogadores e treinadores quererão representar os
clubes que melhor lhes pagarão e esses serão os que conseguirão granjear maiores
receitas, independentemente, mais uma vez, de quem organiza as competições. Não
se trata de um lirismo, já aconteceu no basquetebol, cuja popularidade à escala
europeia está abaixo do futebol, mas muito acima de qualquer outra modalidade.
E tanto a FIFA e a UEFA como os clubes de futebol conhecem perfeitamente o caso
do basquetebol europeu.
Em 1991, foi criada a ULEB, a associação de ligas europeias
de basquetebol. O passo foi dado pelas ligas de clubes de Espanha, Itália e
França, as quais, nos anos seguintes, viram juntar-se-lhes as de outros países
(a grega foi a primeira, em 1996). O seu propósito foi assumido desde o início:
Organização de competições europeias de basquetebol à margem da FIBA e da FIBA
Europa, as congéneres da FIFA e da UEFA na modalidade. E a razão foi clara: Os
clubes não identificavam qualquer vantagem na existência de um intermediário
para gerir os seus interesses comuns, nomeadamente a captação de receitas.
Finalmente, em 2000, a ULEB anunciou a criação da Euroliga.
Claro está, a FIBA Europa não assistiu impávida e serena às
movimentações dos clubes. Foi de ameaça em ameaça e de retaliação gorada em
retaliação gorada até à capitulação final. A tentativa derradeira foi a de
ameaçar as federações dos países cujos clubes participam nas competições da
ULEB de não poderem competir nas provas internacionais de selecções, tentando
assim que fossem os jogadores a pressionarem os clubes para que a FIBA voltasse
a organizar as principais competições europeias de clubes. Como se esperava,
jogadores e treinadores, como profissionais que são, obedeceram a quem mais
lhes pode pagar e não demonstraram interesse suficiente em provocarem uma
reversão do modelo competitivo de clubes a nível europeu. Já antes a FIBA
Europa havia tentado impedir os clubes de participarem nas competições
nacionais, mas imagine-se, por exemplo, o campeonato nacional de futebol
português sem Benfica e Porto…
No presente, a ULEB organiza duas competições, a Euroliga,
com 16 equipas (os finalistas disputam 35 a 37 jogos) e a Eurocup, com 24
clubes. Dos 16 clubes participantes na Euroliga, 11 são fixos (Barcelona,
Baskonia e Real Madrid de Espanha, Olympiacos e Panathinaikos da Grécia,
Anadolu Efes e Fenerbahce da Turquia, Maccabi Tel Aviv, Olimpia Milano, CSKA e
Zalguiris de Israel, Itália, Rússia e Lituânia respectivamente) e os restantes
são apurados através da Eurocup, da classificação nos campeonatos nacionais ou
por convite. Na prática, a ULEB garante que, na sua principal competição,
participam os 16 melhores clubes de basquetebol na Europa em cada ano, isto é,
os que não só têm teoricamente melhores equipas como os que garantem mais
público e maior investimento (por exemplo, em 2016, os maiores orçamentos foram
do CSKA, Fenerbahce e Real Madrid, com 35, 27 e 23 milhões de euros
respectivamente). Tudo isto sem que uma entidade intermediária fique com uma
fatia significativa das receitas provenientes dos patrocinadores e direitos
televisivos.
A UEFA, beneficiando do exemplo da experiência nefasta para
a FIBA Europa, tem sido mais inteligente que a sua congénere e, ao invés de
entrar em conflito com os clubes, tem aumentado a percentagem das receitas
distribuídas aos clubes participantes na Liga dos Campeões e da Liga Europa. Um
dia não haverá acordo, resta saber quando.
Vida Económica - 22/9/2017