terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Assim vai o defeso

O defeso terminado recentemente e a presente pré-época do futebol português têm sido bastante interessantes de analisar sob o ponto de vista do negócio. Os três principais clubes têm implementado estratégias distintas, porque é distinto também o ponto de partida de cada uma delas. Entre eles, é possível distinguir com maior clareza as opções do Benfica face às dos seus rivais – confirmando a regra não escrita do futebol que define que a razão está sempre do lado de quem ganha e que “ganhar só traz vantagens” – mas também entre as de FC Porto e Sporting.

O Benfica goza, actualmente, de uma vantagem competitiva que deriva do sucesso desportivo: A estabilidade. Não me refiro à legitimidade das direcções para tomarem decisões de fundo, pois todas estão, até ver, de pedra e cal à frente dos destinos de cada um dos clubes. Refiro-me antes à margem de manobra para a tomada de decisão. No fundo, o Benfica pode ser gerido a médio/longo prazo porque, apesar da vontade de vencer no imediato se manter intacta, a mesma não é alimentada por um sentimento de urgência. E o curioso é que tem ganho repetidamente, o que legitima a política prosseguida.

Para FC Porto e Sporting a conjuntura é diferente e explica a necessidade da aposta no curto prazo. O primeiro viu-se afastado do título nas últimas quatro temporadas, enquanto o segundo não se sagra campeão nacional de futebol desde 2002. É justo dizer que, para os portistas, dado o palmarés conseguido pelos azuis e brancos nas últimas décadas, quatro ou quinze anos parece mais ou menos o mesmo. O FC Porto sente-se, por isso, obrigado a ganhar o quanto antes, tanto ou mais que o Sporting, cuja míngua de títulos (dois nos últimos 35 anos) em nada condiz com a grandeza da instituição.

Há, no entanto, uma diferença significativa entre ambos: Apesar de tanto FC Porto e Sporting estarem, do meu ponto de vista, obrigados a realizarem encaixes elevados (quer em prol da sua situação económica como da gestão de tesouraria) com a venda de passes de jogadores, os portistas encontram-se ainda limitados no seu raio de acção pela necessidade de cumprimento do acordo estabelecido com a UEFA no âmbito do chamado fairplay financeiro. Ou seja, o FC Porto está mais limitado (ou será protegido?) que o Sporting relativamente a “loucuras” que procuram resolver no imediato constrangimentos estruturais ao nível da competitividade das suas equipas de futebol.

Para já, “dragões” e “leões” estão, numa lógica de curto prazo, a actuar em conformidade com a sua situação económica-financeira e com as restrições daí derivadas. O FC Porto alienou os passes de André Silva (38M€) e Rúben Neves (17.9M€) por montantes significativos, além de outros que representavam gorduras desnecessárias, como Depoitre (4M€), Andrés Fernandéz (2M€) ou Martins Indi (caso se confirme). No que toca a entradas, tem-se limitado a fazer regressar atletas sob contrato – alguns deles poderão ser uma mais-valia desportiva – e a promover elementos da sua equipa B. Quanto ao Sporting, até ao momento mais discreto nas vendas (apenas alienou o passe de Rúben Semedo por 14M€), tem estado bastante activo no apetrechamento do plantel. Porém, só a aquisição de Bruno Fernandes, internacional sub21 que actuava em Itália, envolveu montantes elevados (8.5M€). Piccini e Mattheus, por 3 e 2 milhões de euros respectivamente, são os restantes investimentos relevantes. As duas entradas mais sonantes, Fábio Coentrão e Doumbia, dão-se através de empréstimos, e há ainda Mathieu e André Pinto, chegados a “custo zero”, evidenciando, especialmente nos dois primeiros casos e no do defesa francês, a lógica de curto prazo, pretendendo-se um eventual retorno desportivo imediato sem qualquer eventual retorno financeiro no futuro (excepto, se a equipa obtiver sucesso desportivo, via receitas da liga dos campeões).

Quanto ao Benfica, numa posição bem mais confortável que os seus rivais devido à hegemonia do futebol português conseguida nos últimos anos, persiste na política de valorização de activos, na alienação dos mesmos e na utilização repartida das mais-valias obtidas em novos investimentos (compra de jogadores, inovação em áreas de suporte, ampliação e modernização do centro de treinos, etc) e na redução do passivo. Para os benfiquistas, a legitimação desta gestão acontece por intermédio dos resultados desportivos. Nenhum adepto gosta de ver os seus ídolos partirem para outros clubes, mesmo que por montantes avultados, mas, entre os benfiquistas, subsiste a crença de que o clube tem a capacidade de encontrar substitutos à altura dos que saem, pois é o que tem acontecido sucessivamente nos últimos anos. As vendas de Ederson (40M€), Lindelöf (35M€) e Nélson Semedo (35M€) ocorreram seis meses após a alienação do passe de Gonçalo Guedes (30M€) e um ano depois das de Gaitán (20M€) e Renato Sanches (35M€), só para referir os atletas mais importantes a nível desportivo, pois o conjunto de outras vendas dá a clara sensação que o Benfica tem, neste momento, bem incorporada a ideia de que as operações de compra e venda de passes de atletas, assim como a formação, poderão configurar, também, meras operações financeiras, sem que daí venha mal algum ao mundo e, pelo contrário, proporcione a realização de mais-valias que contribuem significativamente para as boas contas apresentadas.

Mas a análise do “futebol negócio”, neste defeso, não se limita à actuação no mercado dos principais clubes portugueses, muito por culpa do Benfica. Nas últimas semanas, houve três declarações, uma do presidente do Sport Lisboa e Benfica Luís Filipe Vieira e duas do administrador financeiro Domingos Soares Oliveira que me deixaram, por um lado, expectante, e, por outro, desiludido, não pelo conteúdo, mas porque não vi, da parte da comunicação social, o interesse suficiente para explorar os temas, bem mais relevantes para mim que a aborrecida especulação diária sobre o movimento de jogadores.

Começando pela declaração de Luís Filipe Vieira, em que manifestou a intenção de recuperar os capitais próprios da SAD benfiquista o mais depressa possível e a expectativa de, no exercício passado, ter recuperado já entre 40 a 50 milhões de euros (no início do exercício, os resultados transitados eram cerca de 94M€ negativos, com um capital social de 115M€), o que indicia um resultado líquido nessa ordem de valores em 2016/17, para que possa ser implementada uma nova estratégia a partir de 2018 ou 2019 (e com a participação “de todos os benfiquistas”). Que estratégia poderá ser essa e em que medida contribuirá para distanciar a SAD benfiquista das congéneres rivais? Não se sabe e ninguém colocou a pergunta. A resposta poderá ser crucial para antever a competitividade interna do futebol português no futuro próximo. Por exemplo, se o Benfica decidir aumentar o capital da SAD, alienando parte do capital (detém 63% da SAD) com o objectivo de obter meios financeiros que lhe permitam liquidar parte significativa do passivo financeiro, a SAD benfiquista passaria a dispor de cerca de 15M€ adicionais por ano para aplicar em custos operacionais (por exemplo, maior massa salarial), ao invés de, como no presente, canalizá-los para o pagamento de juros.

Quanto às declarações de Domingos Soares Oliveira, uma delas é mais evidente que outra, mas ambas são demonstrativas que o Benfica tem aproveitado o sucesso desportivo no presente para lançar as sementes do eventual sucesso no futuro. Começando pela mais evidente, que vem na linha do que tem vindo a ser feito nos últimos anos, nomeadamente com a BTV e a exploração dos direitos televisivos ou o desenvolvimento do Benfica LAB, entre outros, o administrador da SAD benfiquista afirmou que o Benfica pretende tornar-se “no maior clube do mundo em termos de ciência desportiva”. É um tema pouco sexy, porém, num país cuja capacidade de investimento em jogadores é substancialmente inferior à de outros, atingir o patamar da excelência nas áreas de suporte, como é o caso da ciência desportiva, permite esbater essa distância. “Ciência desportiva” abrange inúmeras áreas de conhecimento e todas poderão ser relevantes na competição.


Finalmente, a revelação de que o Benfica tem estudado a possibilidade de participação na gestão de um clube da Premier League. À primeira vista, parece uma ideia inusitada. No entanto, existem já vários casos em que clubes de vários países e/ou desportos pertencem às mesmas pessoas ou entidades. A ideia passará, provavelmente, por deter uma participação minoritária num clube inglês em troca da exportação de competências (scouting, metodologias de gestão, formas de financiamento, etc), recolhendo dividendos. Numa frase, ensinar a fazer muito com pouco, afinal a especialidade do futebol português.

Vida Económica - 28/7/2017

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