O defeso terminado recentemente e a presente pré-época do
futebol português têm sido bastante interessantes de analisar sob o ponto de
vista do negócio. Os três principais clubes têm implementado estratégias
distintas, porque é distinto também o ponto de partida de cada uma delas. Entre
eles, é possível distinguir com maior clareza as opções do Benfica face às dos
seus rivais – confirmando a regra não escrita do futebol que define que a razão
está sempre do lado de quem ganha e que “ganhar só traz vantagens” – mas também
entre as de FC Porto e Sporting.
O Benfica goza, actualmente, de uma vantagem competitiva que
deriva do sucesso desportivo: A estabilidade. Não me refiro à legitimidade das
direcções para tomarem decisões de fundo, pois todas estão, até ver, de pedra e
cal à frente dos destinos de cada um dos clubes. Refiro-me antes à margem de
manobra para a tomada de decisão. No fundo, o Benfica pode ser gerido a
médio/longo prazo porque, apesar da vontade de vencer no imediato se manter
intacta, a mesma não é alimentada por um sentimento de urgência. E o curioso é
que tem ganho repetidamente, o que legitima a política prosseguida.
Para FC Porto e Sporting a conjuntura é diferente e explica
a necessidade da aposta no curto prazo. O primeiro viu-se afastado do título
nas últimas quatro temporadas, enquanto o segundo não se sagra campeão nacional
de futebol desde 2002. É justo dizer que, para os portistas, dado o palmarés
conseguido pelos azuis e brancos nas últimas décadas, quatro ou quinze anos
parece mais ou menos o mesmo. O FC Porto sente-se, por isso, obrigado a ganhar
o quanto antes, tanto ou mais que o Sporting, cuja míngua de títulos (dois nos
últimos 35 anos) em nada condiz com a grandeza da instituição.
Há, no entanto, uma diferença significativa entre ambos: Apesar
de tanto FC Porto e Sporting estarem, do meu ponto de vista, obrigados a
realizarem encaixes elevados (quer em prol da sua situação económica como da
gestão de tesouraria) com a venda de passes de jogadores, os portistas encontram-se
ainda limitados no seu raio de acção pela necessidade de cumprimento do acordo
estabelecido com a UEFA no âmbito do chamado fairplay financeiro. Ou seja, o FC
Porto está mais limitado (ou será protegido?) que o Sporting relativamente a
“loucuras” que procuram resolver no imediato constrangimentos estruturais ao
nível da competitividade das suas equipas de futebol.
Para já, “dragões” e “leões” estão, numa lógica de curto
prazo, a actuar em conformidade com a sua situação económica-financeira e com
as restrições daí derivadas. O FC Porto alienou os passes de André Silva (38M€)
e Rúben Neves (17.9M€) por montantes significativos, além de outros que
representavam gorduras desnecessárias, como Depoitre (4M€), Andrés Fernandéz
(2M€) ou Martins Indi (caso se confirme). No que toca a entradas, tem-se
limitado a fazer regressar atletas sob contrato – alguns deles poderão ser uma
mais-valia desportiva – e a promover elementos da sua equipa B. Quanto ao
Sporting, até ao momento mais discreto nas vendas (apenas alienou o passe de
Rúben Semedo por 14M€), tem estado bastante activo no apetrechamento do
plantel. Porém, só a aquisição de Bruno Fernandes, internacional sub21 que
actuava em Itália, envolveu montantes elevados (8.5M€). Piccini e Mattheus, por
3 e 2 milhões de euros respectivamente, são os restantes investimentos
relevantes. As duas entradas mais sonantes, Fábio Coentrão e Doumbia, dão-se
através de empréstimos, e há ainda Mathieu e André Pinto, chegados a “custo
zero”, evidenciando, especialmente nos dois primeiros casos e no do defesa
francês, a lógica de curto prazo, pretendendo-se um eventual retorno desportivo
imediato sem qualquer eventual retorno financeiro no futuro (excepto, se a
equipa obtiver sucesso desportivo, via receitas da liga dos campeões).
Quanto ao Benfica, numa posição bem mais confortável que os
seus rivais devido à hegemonia do futebol português conseguida nos últimos
anos, persiste na política de valorização de activos, na alienação dos mesmos e
na utilização repartida das mais-valias obtidas em novos investimentos (compra
de jogadores, inovação em áreas de suporte, ampliação e modernização do centro
de treinos, etc) e na redução do passivo. Para os benfiquistas, a legitimação
desta gestão acontece por intermédio dos resultados desportivos. Nenhum adepto
gosta de ver os seus ídolos partirem para outros clubes, mesmo que por
montantes avultados, mas, entre os benfiquistas, subsiste a crença de que o
clube tem a capacidade de encontrar substitutos à altura dos que saem, pois é o
que tem acontecido sucessivamente nos últimos anos. As vendas de Ederson
(40M€), Lindelöf (35M€) e Nélson Semedo (35M€) ocorreram seis meses após a
alienação do passe de Gonçalo Guedes (30M€) e um ano depois das de Gaitán
(20M€) e Renato Sanches (35M€), só para referir os atletas mais importantes a
nível desportivo, pois o conjunto de outras vendas dá a clara sensação que o
Benfica tem, neste momento, bem incorporada a ideia de que as operações de
compra e venda de passes de atletas, assim como a formação, poderão configurar,
também, meras operações financeiras, sem que daí venha mal algum ao mundo e,
pelo contrário, proporcione a realização de mais-valias que contribuem
significativamente para as boas contas apresentadas.
Mas a análise do “futebol negócio”, neste defeso, não se limita
à actuação no mercado dos principais clubes portugueses, muito por culpa do
Benfica. Nas últimas semanas, houve três declarações, uma do presidente do
Sport Lisboa e Benfica Luís Filipe Vieira e duas do administrador financeiro
Domingos Soares Oliveira que me deixaram, por um lado, expectante, e, por outro,
desiludido, não pelo conteúdo, mas porque não vi, da parte da comunicação
social, o interesse suficiente para explorar os temas, bem mais relevantes para
mim que a aborrecida especulação diária sobre o movimento de jogadores.
Começando pela declaração de Luís Filipe Vieira, em que
manifestou a intenção de recuperar os capitais próprios da SAD benfiquista o
mais depressa possível e a expectativa de, no exercício passado, ter recuperado
já entre 40 a 50 milhões de euros (no início do exercício, os resultados
transitados eram cerca de 94M€ negativos, com um capital social de 115M€), o
que indicia um resultado líquido nessa ordem de valores em 2016/17, para que
possa ser implementada uma nova estratégia a partir de 2018 ou 2019 (e com a
participação “de todos os benfiquistas”). Que estratégia poderá ser essa e em
que medida contribuirá para distanciar a SAD benfiquista das congéneres rivais? Não se sabe e ninguém colocou a pergunta. A resposta poderá ser crucial para
antever a competitividade interna do futebol português no futuro próximo. Por
exemplo, se o Benfica decidir aumentar o capital da SAD, alienando parte do
capital (detém 63% da SAD) com o objectivo de obter meios financeiros que lhe
permitam liquidar parte significativa do passivo financeiro, a SAD benfiquista
passaria a dispor de cerca de 15M€ adicionais por ano para aplicar em custos
operacionais (por exemplo, maior massa salarial), ao invés de, como no
presente, canalizá-los para o pagamento de juros.
Quanto às declarações de Domingos Soares Oliveira, uma delas
é mais evidente que outra, mas ambas são demonstrativas que o Benfica tem
aproveitado o sucesso desportivo no presente para lançar as sementes do
eventual sucesso no futuro. Começando pela mais evidente, que vem na linha do
que tem vindo a ser feito nos últimos anos, nomeadamente com a BTV e a exploração
dos direitos televisivos ou o desenvolvimento do Benfica LAB, entre outros, o
administrador da SAD benfiquista afirmou que o Benfica pretende tornar-se “no
maior clube do mundo em termos de ciência desportiva”. É um tema pouco sexy,
porém, num país cuja capacidade de investimento em jogadores é substancialmente
inferior à de outros, atingir o patamar da excelência nas áreas de suporte,
como é o caso da ciência desportiva, permite esbater essa distância. “Ciência
desportiva” abrange inúmeras áreas de conhecimento e todas poderão ser
relevantes na competição.
Finalmente, a revelação de que o Benfica tem estudado a
possibilidade de participação na gestão de um clube da Premier League. À
primeira vista, parece uma ideia inusitada. No entanto, existem já vários casos
em que clubes de vários países e/ou desportos pertencem às mesmas pessoas ou
entidades. A ideia passará, provavelmente, por deter uma participação
minoritária num clube inglês em troca da exportação de competências (scouting,
metodologias de gestão, formas de financiamento, etc), recolhendo dividendos. Numa
frase, ensinar a fazer muito com pouco, afinal a especialidade do futebol
português.
Vida Económica - 28/7/2017