Na minha primeira crónica publicada no Vida Económica,
defendi a ideia de que, para os adeptos, o importante é a celebração de
conquistas desportivas e que as contas, não obstante o reconhecimento
generalizado de que alguma relevância hão-de ter, são interpretadas consoante
os resultados desportivos.
Não será por acaso que, num período alargado, nada habitual
nos últimos 40 anos, em que o FC Porto se vê arredado do título nacional,
surjam manifestações de descontentamento que extravasam o teor desportivo, logo
sendo referidos os elevadíssimos custos operacionais, quando comparados com os
proveitos, ou, entre outros assuntos, as avultadas comissões pagas nas
transacções de atletas.
No sentido oposto, a reaproximação do Sporting à luta pela
principal competição nacional de futebol, em paralelo com uma política de
comunicação que visa, do meu ponto de vista, mais que a apregoada “política de
verdade”, condicionar a opinião dos sportinguistas, como que escamoteia alguns
aspectos negativos da gestão da SAD leonina.
Um exemplo recente deste possível condicionamento é o
comunicado emitido a 29 de Fevereiro último, a terminar o prazo para a
publicação do relatório e contas do primeiro semestre de 2015/16 e em que é
dito que foi apresentado um resultado negativo de 18.1M€. Foi ainda
acrescentado que, “para evitar especulações que podem ser geradas por falta de
informação que enquadre os presentes resultados”, que este prejuízo se deveu,
em parte, a” dois factores de conhecimento público: por um lado a sentença
desfavorável no caso Doyen vs SCP e, por outro, a eliminação no play-off de
acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões”.
É interessante verificar que a eventual especulação por
falta de informação se deveria, caso ocorresse, ao atraso na publicação do
relatório, que se presume, até porque nada foi dito em sentido contrário, ter
sido da responsabilidade do emitente, a Sporting, SAD. Além do mais, as
consequências contabilísticas do caso Doyen e da eliminação no play-off de
acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões são referidas como se se tratassem
de dados adquiridos e não de, tendo em conta as posições assumidas publicamente
no passado, de novidades.
Ora, tanto num caso como noutro (e nos VMOC), por vezes
senti-me isolado quando alertei para as suas potenciais implicações,
nomeadamente ao não encontrar qualquer reacção por parte da generalidade da
comunicação social nos momentos em que a forma como as contas da SAD leonina
eram apresentadas (“um sucesso”), contrastando com o que eu julgava ser
dissonante da realidade e, agora, por via do prejuízo apresentado, confirmando
a minha interpretação.
O respeito pelo princípio da prudência há muito que poderia
ter sido reflectido através da constituição de uma provisão devido ao risco de
condenação no processo que opunha Doyen e Sporting, SAD (será que as regras do
fair play financeiro da UEFA seriam cumpridas?). O afastamento da Liga dos
Campeões, como é natural, significou a impossibilidade de obtenção de maiores
receitas resultantes da participação nas competições europeias, o que não só se
constitui enquanto constrangimento circunstancial ao equilíbrio das contas, mas
sobretudo deixou a nu o crescimento elevado dos custos operacionais,
nomeadamente os referentes ao pessoal, em que as remunerações do plantel
cresceram 88% relativamente ao período homólogo da temporada passada. Para
agravar, torna-se complicado perceber que tal tenha ocorrido paralelamente ao
adiamento, por dez anos, da questão da conversão dos VMOC, com a concordância
das entidades bancárias envolvidas.
Seguindo a linha de raciocínio defendida no início da
crónica, é caso para perguntar qual será a reacção dos sportinguistas às contas
apresentadas caso o entusiasmo pela eventual conquista do título nacional se
esfume e dê lugar ao sentimento desconfortável de ver um dos seus rivais
festejar.
É aqui que reside o busílis da questão. O Sporting está hoje
numa posição que leva os seus adeptos a entusiasmarem-se com a possibilidade de
títulos, algo que, reconheça-se, há muito não se vislumbrava legitimidade
nessas aspirações. As consequências que poderão advir do redireccionamento
estratégico da gestão do futebol sportinguista, caso não resulte (e é assumido
que ganhar é essencial para a revitalização do clube pelo entusiasmo gerado e
subsequente crescimento das receitas), são, no limite, encaradas como um
eventual regresso a um cenário de falência económica e desportiva que quase
todos vaticinavam ser irreversível e é agora visto com algum distanciamento. Este
é um mérito que, nas actuais circunstâncias, não se poderá deixar de reconhecer
à direcção sportinguista.
Mais que de sucesso desportivo, os clubes (os adeptos!)
vivem de expectativas. Para analisar o momento actual é necessário, portanto,
recuar ao último defeso. O Sporting, que se despedira da época anterior com um
regresso aos títulos, decidiu trocar o vencedor da Taça de Portugal, Marco
Silva, por Jorge Jesus, o treinador bicampeão nacional ao serviço do Benfica. A
mensagem foi clara e assumida: O Sporting apostaria em todas as frentes, com
enfoque na disputa do Campeonato Nacional. O insucesso na Liga dos Campeões, e
depois na Liga Europa, na Taça da Liga e na Taça de Portugal está, para já,
mitigado pela vitória na Supertaça ante o Benfica e na ocupação de uma posição
que confere fundadas aspirações ao regresso ao triunfo do principal título
nacional.
O FC Porto, após duas temporadas de forte investimento sem
qualquer feito desportivo assinalável (a presença nos quartos-de-final da Liga
dos Campeões, apesar de muito meritória, acabou por ficar manchada pela pesada goleada
sofrida em Munique), voltou a investir fortemente no apetrechamento do seu
plantel que é visto agora, em função dos resultados obtidos, aquém das
necessidades de um clube que se apresenta, ano após ano, enquanto candidato a
vencer todas as competições nacionais em que se vê envolvido. Para agudizar o
contexto actual, ocorreu um agravamento das suas contas, com um prejuízo de 17.6M€
no primeiro semestre da presente temporada.
O Benfica, que se apresentara confortável para a nova época
por ser bicampeão nacional, anunciou uma mudança de paradigma (maior aposta na
formação), o que, conjugado com a saída de Jorge Jesus e contratação de Rui
Vitória, baixou a fasquia aos sempre exigentes benfiquistas. O começo de época
titubeante (o que fez decrescer as expectativas da generalidade dos seus
adeptos para níveis confrangedores), deu lugar a um entusiasmo renovado e
ampliado, com o ponto mais alto a ser atingido recentemente após as vitórias,
em cinco dias, nos estádios do Sporting e do Zenit, a significar o regresso à
liderança do Campeonato Nacional e a qualificação para os quartos-de-final da
Liga dos Campeões. E o que surpreende ainda mais foi este sucesso ser
acompanhado de bons resultados financeiros, sendo o único dos “três grandes” a
apresentar lucro no final do primeiro semestre (4.6M€), contrastando com os
elevados prejuízos dos seus rivais.
É certo que este resultado positivo é assente no, para
muitos surpreendente, excelente desempenho desportivo e receitas dele
decorrentes na Liga dos Campeões. Mas importa realçar que, comparativamente ao
ano anterior, os rendimentos com transacções de direitos de atletas diminuíram
cerca de 21M€, o que releva ainda mais o lucro obtido.
Já aqui defendi que a comparação entre as três SAD não pode
ser feita como habitualmente o é pela generalidade dos órgãos de comunicação
social. O perímetro de consolidação de cada uma é diferente, a composição do
capital próprio também e o volume de actividade, se analisado devidamente, logo
se nota que é díspar. O próprio histórico de cada uma delas preconiza soluções
por vezes antagónicas para os mesmos problemas e o contexto não é estanque.
Creio que o Sporting tenta replicar a estratégia encetada
pelo Benfica há dez anos. Fortemente alavancada em capitais alheios para o seu
nível de receitas, procura recuperar o poderio desportivo que potencie a
captação de proveitos. Resultou para o Benfica, pode ser que resulte também
para o Sporting. A grande incógnita reside na dimensão da sua massa adepta
disposta a consumir bens e serviços do clube.
No caso portista, em que os sinais de desgaste da liderança
(não tanto pelo líder em si, mas pelos que se perfilam para ocupar essa
liderança no futuro) são cada vez mais visíveis, o insucesso desportivo recente
poderá ser sinal de que a fórmula anterior (investimento avultado, sucesso
desportivo, enormes mais-valias com a alienação de passes e equilíbrio da
tesouraria) se encontra esgotada. Estará a SAD do FC Porto preparada para
diminuir acentuadamente o investimento e os custos operacionais e retomar o
caminho dos títulos?
Por fim o Benfica, em que dá agora a ideia de que,
independentemente da estratégia seguida e das decisões tomadas, predomina a
estabilidade da sua gestão e a competitividade da sua equipa de futebol, será
que conseguirá dominar a tentação de incorporar, na sua actuação, o sentimento
de que a estrutura, por si só, vence campeonatos?
Ficam as questões, sabendo-se que, no futebol, as respostas
para muitas das questões enunciadas dependem da bola que entra ou que vai ao
poste…
Vida Económica - 25/3/2016