Há cerca de duas semanas, foram apresentadas, pelas SAD dos
“três grandes”, as contas relativas ao 3º trimestre de 2015/16. Dentro do
esperado, em função do conhecido no final do primeiro semestre e do que se pôde
antecipar da actividade de cada uma delas de Janeiro a Março, todas deram
prejuízo nos primeiros nove meses de actividade. No entanto, só a Benfica, SAD
terá, presentemente, razões para sorrir, mesmo que não aliene qualquer passe de
atleta até final do exercício. Os 35M€ de encaixe pela venda de Renato Sanches,
mesmo tendo em conta as eventuais comissões a pagar, e as receitas, quer da
UEFA pela qualificação para os quartos-de-final (6M€), quer de bilheteira (além
do Bayern Munique e da meia-final da Taça da Liga frente ao Braga, houve cinco
jogos do Campeonato Nacional no 4º trimestre, cuja média de espectadores
atingiu os 58.359), fazem antever um resultado líquido positivo.
A situação mais preocupante parece ser a da F.C.Porto, SAD.
Paradoxalmente era, a 31 de Março de 2016, a única que não se encontrava em
falência técnica. Porém, mantendo-se a tendência registada nos últimos
exercícios, o capital próprio de 46M€ rapidamente se esfumará, com a agravante
da míngua de títulos. Até ao final de 3º trimestre, o prejuízo verificado
rondou os 37.1M€, não obstante as vendas, entre outras, dos passes de Alex
Sandro (26M€) e Imbula (24M€, mas a mais valia não chegou aos 4M€).
A SAD portista, em 2014/15, apresentou um lucro de 19.35M€,
sabendo-se que, nessa temporada, obteve, em transferências de jogadores,
mais-valias recorde (82.5M€ resultantes de um impressionante valor bruto de
cerca de 119M€). Além disso, como as receitas da UEFA são, no método utilizado
pela F.C.Porto SAD, registadas no momento da aquisição do direito, acumulou as
qualificações para a fase de grupos dessa temporada e da seguinte. Em 2013/14,
o prejuízo chegou aos 40.7M€. Em 2012/13, o resultado foi positivo em 20.36M€,
sendo que no ano anterior, as perdas atingiram 35.7M€.
Ou seja, se considerarmos os últimos quatro exercícios
completos acrescidos dos primeiros nove meses de 2015/16, a SAD portista
acumulou prejuízos na ordem dos 73.8M€, sem qualquer título ou troféu
conquistado desde a Supertaça disputada no início de 2013/14, o que constitui
um deserto de feitos desportivos nada habitual nas Antas ao longo das quase
quatro últimas décadas. Além disso, fazendo uma análise ao plantel portista,
não se vislumbra a capacidade de gerar mais-valias com a alienação de passes de
atletas como as verificadas nas temporadas lucrativas referidas. Danilo,
Herrera e Brahimi serão, porventura, aqueles cujas eventuais vendas poderão
significar maior encaixe, mas tanto o passe do português como o do mexicano são
detidos a 80% e, o do argelino, apenas a 50%. Tendo em conta que a generalidade
dos analistas desportivos convergem quanto à necessidade portista de
apetrechamento do plantel, aparenta ser complicado conjugar essa necessidade
com o equilíbrio da situação financeira.
Mas, perante o previsível prejuízo portista no final de
2015/16, convém tomar atenção ao “fair play” financeiro, algo que, até ao
presente, só ao Sporting preocupou. A UEFA, no seu site, dá a conhecer o
funcionamento deste mecanismo de controlo das finanças dos clubes participantes
nas provas que organiza:
Em termos rigorosos,
os clubes podem gastar até mais 5 milhões de euros do que ganham por período de
avaliação (três anos). No entanto, podem exceder este limite até um certo
nível, se ele estiver inteiramente coberto por uma contribuição/pagamento por
parte do(s) dono(s) do clube ou entidade envolvida. Isto evita o acumular de
uma dívida insustentável.
Os limites são os
seguintes:
• 45 milhões de euros
para períodos de avaliação 2013/14 e 2014/15;
• 30 milhões de euros
para períodos de avaliação 2015/16, 2016/17 e 2017/18.
De forma a promover o
investimento em estádios, centros de treino, aposta na formação de jovens e no
futebol feminino (a partir de 2015), todos estes custos são excluídos das contas
do equilíbrio de gestão.
Somando os três trimestres de 2015/16 com 2014/15 e 2013/14,
o prejuízo da SAD portista situa-se nos 58.45M€. Esta constatação indica que o
actual modelo económico da SAD portista é inviável. Se os proveitos
operacionais estão ao nível dos conseguidos pela Sporting, SAD, os custos
operacionais são superiores aos da Benfica, SAD. Dito de outra forma, o F.C.
Porto tem gasto mais que o Benfica para ganhar o mesmo que o Sporting,
desportiva e financeiramente, com uma diferença que o penaliza, ao nível dos
custos financeiros, na comparação com a SAD leonina: não emitiu VMOC.
Esta diferença leva-me ao segundo ponto, este relacionado
com a Sporting, SAD. Já estou habituado a discordar do teor das declarações do
presidente da SAD do Sporting, mas houve uma recente que julgo ter passado dos
limites. É certo que o palco se tratava do núcleo do Sporting de Alcobaça, o
que, à semelhança de outros clubes, é do género que propicia discursos
inflamados e pensados de acordo com a estratégia de comunicação interna. Disse
então Bruno de Carvalho, a 4 de Junho, que “há uma SAD em falência técnica, a
do Benfica”, acrescentando que “o Sporting respira saúde financeira e
desportiva. Temos o menor passivo quando há três anos tínhamos o maior. Somos
exemplo de gestão na UEFA”.
Em bom rigor, exceptuando a última afirmação citada, a qual
desconheço qualquer indicação, por parte da UEFA, que a confirme, não se poderá
acusar o presidente sportinguista de ter mentido. “Saúde financeira” é, por
assim dizer, um conceito vago, tanto que 17.1M€ de prejuízo em três trimestres,
em parte ocorridos devido a um aumento de 53% das despesas correntes, na
sequência de uma reestruturação financeira, permite a sua evocação de forma
convicta. E se é verdade que, em 31 de Março, a SAD benfiquista estava em
falência técnica, não menos o é que a SAD sportinguista também estava.
Comparando as diferenças entre activos e passivos de ambas as SAD, o montante
até é semelhante (-8.1 M€ SLB, SAD; -10.2M€ SCP, SAD). Convém, no entanto, aprofundar
ligeiramente a análise para se constatar a incomparabilidade de ambas.
O capital próprio da SAD sportinguista inclui 127.93M€ de
VMOC. Bastaria este facto para se perceber que se tratam de situações
distintas. Foi, essencialmente, esta transformação de dívida em capital, entre
outras operações, que permitiu a enorme redução de passivo e, na mesma ordem de
grandeza, o aumento de capital. O risco de perda de controlo da SAD, por parte
do clube, em 2026, será elevado se os prejuízos se repetirem. E repetirão, a
menos que o Sporting consiga tornar-se um actor relevante num espaço que, nos
últimos anos, tem sido dominado por Benfica e Porto: A presença regular na Liga
dos Campeões, que além dos prémios avultados, potencia o valor dos atletas.
Mas há mais neste exercício de comparação, é a velha
história de quem estará em pior situação, o dono da mercearia devedor de 10
mil€ ou o proprietário do hipermercado que deve um milhão… Ao nível da
autonomia financeira, a Sporting SAD apresentou um valor negativo de 4.3%,
enquanto a Benfica SAD se ficou pelos 1.9% negativos. O mesmo será dizer que o
passivo destas SADs foi financiado, respectivamente, por 104.3% e 101.9% por
capitais alheios. Sabendo-se que os resultados operacionais da Sporting, SAD
atingiram os 13.8M€ negativos e os da Benfica, SAD foram positivos em 4.2M€,
torna-se obrigatório regressar à questão das VMOC, que resultaram num
desagravamento acentuado dos custos financeiros da SAD leonina. Benfica e
Porto, com 16.3M€ e 14.3M€ respectivamente, competem com o Sporting que, com os
custos desta natureza, foi afectado somente em 3.3M€. E se se fizesse o
exercício da inexistência das VMOC, mesmo considerando que os custos
financeiros se mantivessem (o que não aconteceria), o capital próprio seria
negativo em cerca de 138M€ e o rácio de autonomia financeira da Sporting, SAD andaria
pelos 56% negativos…
A pergunta que se impõe, perante estes factos, é se Benfica
e Porto não deveriam, também, tentar proceder a uma reestruturação financeira
como a que o Sporting empreendeu. A questão é que nem os encarnados nem os
azuis e brancos estão, até ver, dispostos a colocarem-se numa posição em que a
banca se vê na necessidade de “cortar as suas perdas”. Nada disto importaria
muito se o Sporting tivesse continuado sem acesso directo à Liga dos Campeões,
ou seja, no máximo na 3º posição do Campeonato Nacional. Será que o F.C. Porto,
pelo continuado défice de exploração e subrendimento desportivo recentes, que o
obrigará a uma diminuição teórica da qualidade do plantel ou, pelo contrário, à
acumulação de mais prejuízos, continuará a acreditar que valerá a pena
preservar a credibilidade junto das várias instituições financeiras com que
interage? Ou qual será a posição do Benfica, neste tema, se perder um título
nacional para o seu rival lisboeta?
Vida Económica - 24/6/2016