segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Os prejuízos das SAD no 3º trimestre

Há cerca de duas semanas, foram apresentadas, pelas SAD dos “três grandes”, as contas relativas ao 3º trimestre de 2015/16. Dentro do esperado, em função do conhecido no final do primeiro semestre e do que se pôde antecipar da actividade de cada uma delas de Janeiro a Março, todas deram prejuízo nos primeiros nove meses de actividade. No entanto, só a Benfica, SAD terá, presentemente, razões para sorrir, mesmo que não aliene qualquer passe de atleta até final do exercício. Os 35M€ de encaixe pela venda de Renato Sanches, mesmo tendo em conta as eventuais comissões a pagar, e as receitas, quer da UEFA pela qualificação para os quartos-de-final (6M€), quer de bilheteira (além do Bayern Munique e da meia-final da Taça da Liga frente ao Braga, houve cinco jogos do Campeonato Nacional no 4º trimestre, cuja média de espectadores atingiu os 58.359), fazem antever um resultado líquido positivo.

A situação mais preocupante parece ser a da F.C.Porto, SAD. Paradoxalmente era, a 31 de Março de 2016, a única que não se encontrava em falência técnica. Porém, mantendo-se a tendência registada nos últimos exercícios, o capital próprio de 46M€ rapidamente se esfumará, com a agravante da míngua de títulos. Até ao final de 3º trimestre, o prejuízo verificado rondou os 37.1M€, não obstante as vendas, entre outras, dos passes de Alex Sandro (26M€) e Imbula (24M€, mas a mais valia não chegou aos 4M€).

A SAD portista, em 2014/15, apresentou um lucro de 19.35M€, sabendo-se que, nessa temporada, obteve, em transferências de jogadores, mais-valias recorde (82.5M€ resultantes de um impressionante valor bruto de cerca de 119M€). Além disso, como as receitas da UEFA são, no método utilizado pela F.C.Porto SAD, registadas no momento da aquisição do direito, acumulou as qualificações para a fase de grupos dessa temporada e da seguinte. Em 2013/14, o prejuízo chegou aos 40.7M€. Em 2012/13, o resultado foi positivo em 20.36M€, sendo que no ano anterior, as perdas atingiram 35.7M€.

Ou seja, se considerarmos os últimos quatro exercícios completos acrescidos dos primeiros nove meses de 2015/16, a SAD portista acumulou prejuízos na ordem dos 73.8M€, sem qualquer título ou troféu conquistado desde a Supertaça disputada no início de 2013/14, o que constitui um deserto de feitos desportivos nada habitual nas Antas ao longo das quase quatro últimas décadas. Além disso, fazendo uma análise ao plantel portista, não se vislumbra a capacidade de gerar mais-valias com a alienação de passes de atletas como as verificadas nas temporadas lucrativas referidas. Danilo, Herrera e Brahimi serão, porventura, aqueles cujas eventuais vendas poderão significar maior encaixe, mas tanto o passe do português como o do mexicano são detidos a 80% e, o do argelino, apenas a 50%. Tendo em conta que a generalidade dos analistas desportivos convergem quanto à necessidade portista de apetrechamento do plantel, aparenta ser complicado conjugar essa necessidade com o equilíbrio da situação financeira.

Mas, perante o previsível prejuízo portista no final de 2015/16, convém tomar atenção ao “fair play” financeiro, algo que, até ao presente, só ao Sporting preocupou. A UEFA, no seu site, dá a conhecer o funcionamento deste mecanismo de controlo das finanças dos clubes participantes nas provas que organiza:
Em termos rigorosos, os clubes podem gastar até mais 5 milhões de euros do que ganham por período de avaliação (três anos). No entanto, podem exceder este limite até um certo nível, se ele estiver inteiramente coberto por uma contribuição/pagamento por parte do(s) dono(s) do clube ou entidade envolvida. Isto evita o acumular de uma dívida insustentável.
Os limites são os seguintes:
• 45 milhões de euros para períodos de avaliação 2013/14 e 2014/15;
• 30 milhões de euros para períodos de avaliação 2015/16, 2016/17 e 2017/18.
De forma a promover o investimento em estádios, centros de treino, aposta na formação de jovens e no futebol feminino (a partir de 2015), todos estes custos são excluídos das contas do equilíbrio de gestão.

Somando os três trimestres de 2015/16 com 2014/15 e 2013/14, o prejuízo da SAD portista situa-se nos 58.45M€. Esta constatação indica que o actual modelo económico da SAD portista é inviável. Se os proveitos operacionais estão ao nível dos conseguidos pela Sporting, SAD, os custos operacionais são superiores aos da Benfica, SAD. Dito de outra forma, o F.C. Porto tem gasto mais que o Benfica para ganhar o mesmo que o Sporting, desportiva e financeiramente, com uma diferença que o penaliza, ao nível dos custos financeiros, na comparação com a SAD leonina: não emitiu VMOC.

Esta diferença leva-me ao segundo ponto, este relacionado com a Sporting, SAD. Já estou habituado a discordar do teor das declarações do presidente da SAD do Sporting, mas houve uma recente que julgo ter passado dos limites. É certo que o palco se tratava do núcleo do Sporting de Alcobaça, o que, à semelhança de outros clubes, é do género que propicia discursos inflamados e pensados de acordo com a estratégia de comunicação interna. Disse então Bruno de Carvalho, a 4 de Junho, que “há uma SAD em falência técnica, a do Benfica”, acrescentando que “o Sporting respira saúde financeira e desportiva. Temos o menor passivo quando há três anos tínhamos o maior. Somos exemplo de gestão na UEFA”.

Em bom rigor, exceptuando a última afirmação citada, a qual desconheço qualquer indicação, por parte da UEFA, que a confirme, não se poderá acusar o presidente sportinguista de ter mentido. “Saúde financeira” é, por assim dizer, um conceito vago, tanto que 17.1M€ de prejuízo em três trimestres, em parte ocorridos devido a um aumento de 53% das despesas correntes, na sequência de uma reestruturação financeira, permite a sua evocação de forma convicta. E se é verdade que, em 31 de Março, a SAD benfiquista estava em falência técnica, não menos o é que a SAD sportinguista também estava. Comparando as diferenças entre activos e passivos de ambas as SAD, o montante até é semelhante (-8.1 M€ SLB, SAD; -10.2M€ SCP, SAD). Convém, no entanto, aprofundar ligeiramente a análise para se constatar a incomparabilidade de ambas.

O capital próprio da SAD sportinguista inclui 127.93M€ de VMOC. Bastaria este facto para se perceber que se tratam de situações distintas. Foi, essencialmente, esta transformação de dívida em capital, entre outras operações, que permitiu a enorme redução de passivo e, na mesma ordem de grandeza, o aumento de capital. O risco de perda de controlo da SAD, por parte do clube, em 2026, será elevado se os prejuízos se repetirem. E repetirão, a menos que o Sporting consiga tornar-se um actor relevante num espaço que, nos últimos anos, tem sido dominado por Benfica e Porto: A presença regular na Liga dos Campeões, que além dos prémios avultados, potencia o valor dos atletas.

Mas há mais neste exercício de comparação, é a velha história de quem estará em pior situação, o dono da mercearia devedor de 10 mil€ ou o proprietário do hipermercado que deve um milhão… Ao nível da autonomia financeira, a Sporting SAD apresentou um valor negativo de 4.3%, enquanto a Benfica SAD se ficou pelos 1.9% negativos. O mesmo será dizer que o passivo destas SADs foi financiado, respectivamente, por 104.3% e 101.9% por capitais alheios. Sabendo-se que os resultados operacionais da Sporting, SAD atingiram os 13.8M€ negativos e os da Benfica, SAD foram positivos em 4.2M€, torna-se obrigatório regressar à questão das VMOC, que resultaram num desagravamento acentuado dos custos financeiros da SAD leonina. Benfica e Porto, com 16.3M€ e 14.3M€ respectivamente, competem com o Sporting que, com os custos desta natureza, foi afectado somente em 3.3M€. E se se fizesse o exercício da inexistência das VMOC, mesmo considerando que os custos financeiros se mantivessem (o que não aconteceria), o capital próprio seria negativo em cerca de 138M€ e o rácio de autonomia financeira da Sporting, SAD andaria pelos 56% negativos…

A pergunta que se impõe, perante estes factos, é se Benfica e Porto não deveriam, também, tentar proceder a uma reestruturação financeira como a que o Sporting empreendeu. A questão é que nem os encarnados nem os azuis e brancos estão, até ver, dispostos a colocarem-se numa posição em que a banca se vê na necessidade de “cortar as suas perdas”. Nada disto importaria muito se o Sporting tivesse continuado sem acesso directo à Liga dos Campeões, ou seja, no máximo na 3º posição do Campeonato Nacional. Será que o F.C. Porto, pelo continuado défice de exploração e subrendimento desportivo recentes, que o obrigará a uma diminuição teórica da qualidade do plantel ou, pelo contrário, à acumulação de mais prejuízos, continuará a acreditar que valerá a pena preservar a credibilidade junto das várias instituições financeiras com que interage? Ou qual será a posição do Benfica, neste tema, se perder um título nacional para o seu rival lisboeta?

Vida Económica - 24/6/2016

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