segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Não se gosta de desporto em Portugal

A comunidade basquetebolística portuguesa foi surpreendida, na semana passada, com o anúncio da contratação do novo reforço benfiquista, o norte-americano Daequan Cook. Compreende-se a estupefacção! Cook, aos 17 anos, foi convidado a participar no jogo “McDonald’s All American”, no qual fazem parte, todos os anos, os melhores jogadores dos liceus americanos e canadianos da temporada. No ano seguinte, integrou uma das melhores equipas universitárias, em que foi considerado o “6º melhor jogador” da NCAA, a principal liga universitária americana, um prémio que designa o melhor jogador de entre todos os que, habitualmente, não são titulares. Com apenas 19 anos, candidatou-se ao draft da NBA, o sistema utilizado para o recrutamento de jogadores, no qual foi seleccionado na primeira ronda, na 21ª posição. Nos seis anos seguintes, representou quatro equipas (Miami Heat, Oklahoma City Thunder, Houston Rockets e Chicago Bulls), participando em 328 partidas na fase regular e em 46 no Playoff. Em 2009, venceu o concurso de lançamentos de três pontos do “All Star Game” realizado em Phoenix. Após a aventura pela NBA, marcou presença nas cotadas ligas ucraniana, alemã e francesa, tendo sido, nesta última, o 3º melhor marcador. Pelos dados que é possível recolher na internet (os ordenados dos jogadores da NBA são públicos), estima-se que o jogador benfiquista terá auferido, ao longo da sua carreira, cerca de 13 a 14 milhões de USD.

Esta contratação, de tão inusitada que é (afinal trata-se, indubitavelmente, do basquetebolista com melhor currículo a fazer parte da história da modalidade em Portugal),pode remeter-nos, através da carreira do jogador, para uma série de temas, todos eles passíveis de se tornarem numa das minhas futuras crónicas.

Desta vez debruçar-me-ei sobre o peso mediático do futebol em Portugal, que considero excessivo comparativamente a outras modalidades e como tal se torna, a meu ver, pernicioso para o desporto português e, possivelmente, para a própria comunicação social. Ademais, tentarei explorar as causas desta lamentável realidade. O que me motiva é simples: O anúncio da contratação de Daequan Cook mereceu, da parte de dois dos três diários desportivos, apesar do espaço reduzido que lhe foi dedicado, a chamada à primeira página, o que não deixa de ser, por si só, digno de registo. Raras são as ocasiões em que a imprensa desportiva não dedica por inteiro ao futebol as suas primeiras páginas.

Esta opção editorial, de acordo com alguns jornalistas deste género de publicações com quem tenho discutido este assunto, prende-se, essencialmente, com dois factores: Por um lado, a percepção do interesse do público; Por outro, a pressão exercida pelas administrações aos responsáveis editoriais, ao exigirem vendas no imediato, o que se compreende. Além destes, não creio que a educação dos consumidores deva ser o objectivo principal da imprensa desportiva. No entanto, parece-me claro que, dada a aparente evolução negativa na quantidade de leitores, tornou-se premente criar novos públicos. Dar visibilidade a outras modalidades, fomentar o interesse por outras competições e ampliar o leque de protagonistas, poderia ser o caminho que revertesse ou, pelo menos, mitigasse, a longo prazo, o desinteresse crescente dos leitores, cada vez mais cientes do carácter especulativo de grande parte das parangonas dos jornais desportivos que, à falta de assunto no futebol, reinventam-se diariamente na esperança de despertar a curiosidade dos seus potenciais consumidores.

Não obstante haver margem para criticar as opções editoriais (este fenómeno não encontra paralelo na maior parte dos países europeus), julgo que a imprensa desportiva será mais vítima que culpada neste contexto, pois duvido seriamente que os portugueses, na sua generalidade, gostem de desporto, sendo certo que muitos dos que se dizem fãs de futebol apenas se interessam pelo clube do seu afecto. Um exemplo evidente desta realidade é a popularidade recente do futsal, impulsionada pela rivalidade entre Benfica e Sporting.

O reduzido interesse por desporto tem causas. Desde logo, a oferta de infra-estruturas desportivas quase limitada às instalações de clubes ou aos parques escolares, nem sempre acessíveis a quem deles pretenda usufruir e, por vezes, sobredimensionados ou subdimensionados relativamente às necessidades das populações locais. As melhorias significativas neste domínio (o investimento foi relevante) não foram, aparentemente, planeadas devidamente, criando uma série de desequilíbrios resultantes em subutilização ou inoperacionalidade.

A quase inexistente política de desporto escolar, limitada praticamente, salvo projectos isolados meritórios, aos horários das aulas de educação física e pouco mais, não fomenta o gosto pela prática desportiva nas crianças. Curiosamente, esta carência tem sido suprimida na última década como sempre o foi no passado: pelos clubes, que se substituem ao Estado numa função que julgo dever ser sua. No entanto, a grande diferença em relação a outros tempos é tristemente irónica. A proliferação de escolas desportivas e a necessidade, por parte destas, de obtenção de receitas, acabaram por, de certa forma, democratizar o acesso à prática desportiva. Longe de ser uma solução perfeita – a exigência do pagamento de mensalidades afasta uma camada populacional significativa – permite que crianças técnica e fisicamente inaptas possam praticar desporto sob a orientação e supervisão técnica de profissionais qualificados. A triagem, ao nível das aptidões, deixou de ser apertada, sendo até inexistente em muitos casos.

Finalmente, a deficiente coordenação entre as políticas de educação e o desporto federado são, em muitos casos, a razão principal do afastamento de inúmeros adolescentes da prática desportiva, ao verem-se confrontados com horários escolares inadequados e, frequentemente, com a impossibilidade de conciliar os estudos com a exigência competitiva em determinados períodos do ano. Esta debilidade é ainda mais acentuada nos casos dos atletas com potencial para se tornarem “atletas de alto rendimento”, para os quais a necessidade de cargas de treino e competição é significativamente mais elevada.

No âmbito desta crónica, abstenho-me de aprofundar as vantagens do investimento no fomento da prática desportiva, considerando que este é um tema que extravasa as questões da educação ou do desporto. Nota apenas para a saúde, na medida em que me parece consensual que uma população mais saudável represente uma necessidade menor de investimento neste domínio. O desporto deveria, na minha opinião, ser encarado enquanto investimento preventivo gerador de poupanças no futuro.

Face a este contexto (veremos se, com a tal espécie de democratização, daqui a vinte anos será diferente), não admira que Portugal seja o país da União Europeia com os indicadores mais baixos no que respeita à actividade física, sendo esta, para mim, a principal razão do relativo desinteresse da maioria dos portugueses por desporto, apesar do reconhecido forte interesse por alguns clubes e pelos aspectos laterais à competição desportiva, nomeadamente a rivalidade entre adeptos dos “três grandes” e as polémicas de arbitragem. Se o chamado “desporto-rei”, o futebol, quase parece uma actividade confidencial (excluindo Benfica, F.C. Porto, Sporting, Vitória de Guimarães e Braga, a média de espectadores foi, nas restantes partidas da Liga NOS realizadas na temporada 2014/15, inferior a 2.300), imagine-se o cenário das restantes modalidades…


Habituado a assistências nos jogos liceais e universitários que fariam corar de vergonha os dirigentes desportivos portugueses, ao glamour e enorme popularidade da NBA e até à experiência europeia adquirida em países onde, de facto, se gosta de desporto, será que o Daequan Cook compreenderá, após um jogo em que realize uma exibição notável, que os jornais se limitem a divulgá-lo num espaço reduzido de uma das últimas páginas? É improvável. Tanto como um fã de basquetebol comprar um jornal para saber o que o astro americano fez ou deixou de fazer…

Vida Económica - 21/8/2015

Números da semana (170)

1 O Benfica ganhou o Campeonato Nacional de estrada (5 kms). A nível individual, o campeão nacional foi Luís Oliveira, do Benfica; 5,1% ...