segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O futebol é mesmo assim

Com a apresentação dos relatórios e contas do 1º semestre da temporada 2014/15, pudemos constatar uma situação inédita, desde há vários anos, acerca das sociedades anónimas desportivas de futebol dos três maiores clubes portugueses: Nenhuma está em falência técnica.

Significará esta coincidência que o futebol português se encontra em bom estado económico-financeiro? De todo, não! A análise das contas de cada SAD permite perceber as razões que levaram a estes resultados e entender as diferenças entre cada uma delas.

A SAD benfiquista é aquela em que o caminho percorrido é mais consistente, embora longe de confortável. A saída da situação de falência técnica deriva da incorporação de resultados líquidos positivos, fruto do incremento regular dos resultados operacionais, com destaque para as receitas da exploração própria dos direitos televisivos e, sobretudo, através das mais-valias provenientes das transacções de passes de atletas. No entanto, o investimento que permitiu o crescimento qualitativo a nível desportivo, oferecendo maior visibilidade aos seus activos, foi fortemente alavancado em capitais alheios, o que resultou num passivo elevado e oneroso, condicionando a capacidade de investimento, dependente da alienação de passes de jogadores. A redução do passivo em cerca de 20 milhões de euros é um bom sinal, mas carece de confirmação se não será apenas conjuntural. A receita de 17 milhões de euros obtida após o 1º semestre, resultante da venda dos direitos desportivos e económicos de Bernardo Silva e Franco Jara, parece confirmar que a implementação desta estratégia prossegue num sentido positivo, mas o futuro o dirá, nomeadamente se, no capítulo desportivo, daí advierem consequências negativas.

Relativamente à F.C. Porto, SAD, a apresentação do capital próprio positivo deveu-se a um aumento do capital social e à incorporação, no perímetro de consolidação, da participação de 47% na sociedade Euroantas, à semelhança da decisão tomada pelo SLB há uns anos, ao ceder a Benfica Estádio à sua SAD do futebol. Estas operações permitiram que os capitais próprios da SAD portista passassem de 33 milhões de euros negativos para 54.6 milhões de euros positivos. No entanto, num semestre em que as receitas da participação na Liga dos Campeões foram excepcionais (19.7M€) e ocorreu a entrada de um montante significativo pela venda dos passes de Mangala e Defour (36.5M€), o resultado líquido foi de 8.4 milhões de euros negativos, que se segue a um resultado líquido consolidado de 40.7 milhões de euros negativos em 2013/14. O forte investimento no apetrechamento do plantel da equipa de futebol e o aumento de 51% dos custos com pessoal explicam este resultado.

O caso mais interessante de se analisar reside na SAD leonina. A evolução do capital próprio (passou de 118M€ negativos para 11.6M€ positivos) deveu-se ao resultado líquido do exercício (23.7M€), ao aumento de capital social (28M€, dos quais 20M€ pela Holdimo, Participações e Investimentos, S.A.) e à transferência de 80 milhões de euros do passivo, através de VMOC. Convém, no entanto, observar atentamente estes números.

O incremento do resultado líquido deve-se, sobretudo, à melhoria dos resultados operacionais pela participação na fase de grupos da Liga dos Campeões (10.5M€) e pela alienação dos direitos desportivos e económicos do atleta Rojo. Relativamente a esta venda (20M€), importa realçar que o passe do jogador era detido a 75% pela empresa Doyen, mas a SAD leonina procedeu à resolução dos contratos com esta empresa, alegando justa causa. Esta decisão motivou uma reserva por parte do auditor, manifestando não lhe ter sido disponibilizada informação suficiente que lhe permita “avaliar a razoabilidade da decisão tomada pela Sporting SAD de não reconhecer uma provisão (…)”. Ou seja, as eventuais responsabilidades a decorrer desta decisão não se encontram reflectidas nas contas, o que significa que não foi constituída uma provisão de 12 milhões de euros (os 15M€ dos 75% do passe deduzidos da devolução de 3M€ que a Doyen investiu na operação).

Convém ainda referir a “actualização financeira de activos e passivos não correntes”. Da renegociação dos empréstimos contraídos com a banca, a Sporting, SAD retirou um proveito financeiro imediato de cerca de 12.7 milhões de euros, pelo “desreconhecimento” das comissões incorridas e diferenciais de juros.

Outra questão pertinente está relacionada com os VMOC. Não foi a primeira vez que a Sporting SAD utilizou este instrumento. Em Janeiro de 2011 emitiu cerca de 47.9 milhões de euros, com maturidade em Janeiro de 2016. Nessa data, caso a sociedade não pague aos bancos, estes, em conjunto, deterão 41,7% do capital e o SCP, directa e indirectamente, 37,3%. Em Dezembro do ano passado, com maturidade no mesmo mês de 2026, foram emitidos VMOC no montante de 80 milhões de euros, o que poderá significar que os bancos passarão a deter 65.6% do capital social, cabendo ao SCP 22%. Será interessante acompanhar este processo.


Qualquer das sociedades está dependente da alienação de passes de jogadores para o equilíbrio das suas contas. O eventual sucesso da participação na Liga do Campeões minimiza a necessidade de recorrer a este expediente, cujo impacto negativo a nível desportivo é, normalmente, significativo. Dir-se-á que é um modelo arriscado, mas a realidade mostra que tanto o S.L. Benfica como o F.C. Porto têm conseguido mantê-lo há vários anos, obtendo frequentemente bons desempenhos nas competições europeias, em que medem forças com clubes de países economicamente mais desenvolvidos. Detectar, formar e valorizar talentos tem sido a sua especialidade. Uma arte que tem permitido que os clubes, no plano teórico, vivam acima das suas possibilidades. Na prática, “o futebol é mesmo assim” e os adeptos “só querem ganhar”.

Vida Económica - 20/3/2015

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