Perdoem-me a eventual arrogância e o evidente cepticismo,
mas, por vezes, dá-me a impressão que, em Portugal, se privilegia a busca por
soluções miraculosas ao invés de se investir tempo e dinheiro na definição e
implementação de estratégias que corrijam os males que assolam o nosso país. No
desporto, um sector caracterizado pela clubite e a emoção que a ela está
associada, é onde mais claramente se nota esta postura na abordagem aos
problemas. A miopia do curto prazo prevalece, sem que se tente medir as
consequências de medidas avulsas e conjunturais. “Quem vier atrás que feche a
porta” parece ser a regra que norteia grande parte dos decisores.
Serve esta introdução para manifestar a minha perplexidade
perante a discussão sobre a centralização da exploração dos direitos
televisivos no futebol português. E já dou de barato que esta tenha surgido,
coincidentemente, quando ficou demonstrado o sucesso da BTV – o que concede
legítimas expectativas ao Porto Canal e SportingTV, pondo em causa a situação,
até então, relativamente monopolista da Sporttv.
De repente, como que se descobriu a pólvora e o actual
modelo, em que os clubes negoceiam individualmente os direitos, é apontado como
o constrangimento principal à sua viabilidade. Esta teoria, que conta com o
apoio implícito de fazedores de opinião mais preocupados com a vaga de fundo
que com o problema em si e com uma comunicação social especializada pouco
propensa a ir até ao âmago das questões, peca por ser simplista e, se
desacompanhada de alterações profundas nos alicerces que sustentam o sector,
inócua ou, até, prejudicial.
Diz-se que o principal problema do futebol português é a
falta de competitividade. Dito assim, e uma vez que os títulos são,
invariavelmente, conquistados por apenas dois clubes, o S.L. Benfica e o F.C
Porto, parece fazer sentido. Afirma-se, também, que a redistribuição mais
equitativa das receitas geradas pela venda dos direitos de transmissão
televisiva, contribuirá para um suposto aumento de competitividade. No papel,
parece fazer sentido. E, como consequência, esse incremento tornará o produto mais
apetecível, criando um efeito potenciador de mais receitas para os clubes
devido a um suposto maior interesse do público e ao encanto “instantâneo” que
os mercados estrangeiros terão pelo nosso futebol. Parece tão evidente que
custa a acreditar que não ocorra já… Discordo desta visão e julgo que é
necessária alguma cautela na avaliação da existência, ou não, dos benefícios de
uma alteração desta envergadura.
Em primeiro lugar, cumpre-me questionar o que é a tão
referida falta de competitividade do futebol português. Nos países modelo, no
que à centralização da exploração dos direitos televisivos diz respeito, a
Alemanha e Inglaterra, é um erro julgar-se que há a tal competitividade nas
suas ligas. Na Alemanha, o Bayern Munique conquistou 12 das últimas 19 edições da
Bundesliga e, em Inglaterra, o Manchester United foi o campeão em 13 das
últimas 23 temporadas da Premier League. Por terras germânicas, o poderio da
equipa bávara é, normalmente, contestado pelo Borussia Dortmund e, na prova
inglesa, só o investimento avultado de multimilionários provenientes do Leste
Europeu e do Médio Oriente, criaram novos candidatos e vencedores para além dos
tradicionais e populares Arsenal e Liverpool. Acresce que qualquer dos clubes
campeões nestes países o conseguiram, a julgar pela distância pontual obtida e
pelas jornadas por disputar no momento em que venceram o título, com relativa
facilidade. Se alargarmos a incidência da análise a um contexto europeu, verificaremos
que Portugal conta com a presença de três clubes na Liga dos Campeões e de um
total de seis nas provas europeias, o que, apesar da ausência habitual das
fases decisivas da principal competição europeia, desmente a propalada falta de
competitividade.
Desmontado o argumento da competitividade, parto para o da
sustentabilidade. A simples comparação demográfica entre Portugal e os países
referidos deita por terra qualquer relação que se tente estabelecer. O mesmo se
aplica aos restantes países cujas ligas são, em diversos aspectos, melhores que
a portuguesa: Espanha, França e Itália. Em suma, estes mercados são maiores que
o português. E gozam de maior poder de compra. Além disso, beneficiam de um
fenómeno inexistente em Portugal que dificilmente, salvo raras excepções,
ocorrerá no nosso país: Os clubes cidade. O Vitória de Guimarães e, em menor
medida, o S. C. Braga, são, porventura, os únicos clubes portugueses que
conseguem, no presente, transferir o sentimento de pertença dos cidadãos à
localidade onde residem para a preferência clubista, à semelhança do que a
Académica e o Vitória de Setúbal alcançaram, no passado, em Coimbra e Setúbal,
respectivamente.
Mas façamos um exercício especulativo: Será que, se o
campeonato português fosse “competitivo”, despertaria maior interesse em outros
mercados? Olhemos para os campeonatos mais badalados, o espanhol, o inglês e o
alemão… O que realmente importa para os fãs de futebol é saberem que, ao
assistirem a uma partida entre as melhores equipas desses países, terão a
oportunidade de ver o confronto entre alguns dos melhores jogadores e
treinadores do mundo. Com o devido respeito aos clubes referidos, ninguém
dedica noventa minutos da sua atenção a jogos entre Villareal e Deportivo ou
Newcastle e Crystal Palace. Preferem, e é compreensível que o façam, Barcelona,
Real Madrid, Bayern, Manchester United, Chelsea, Arsenal e outros destes países
que, ocasionalmente, disponham de bons plantéis. E a medida que permite aferir
da valia, a nível mundial, destas equipas é só uma: a performance nas
competições europeias. Retirar capacidade de investimento a Benfica, Porto e
Sporting é limitar as possibilidades destes clubes nos palcos internacionais e,
consequentemente, tornar o futebol português ainda menos apetecível a outros
mercados.
Mas falta referir o modelo da “solução de todos os males do
futebol português” que tem sido preconizado nos últimos tempos (Há 15 anos eram
as SAD que resolveriam tudo e mais alguma coisa…). Geralmente são criados
pacotes de jogos que poderão ser vendidos a diferentes operadores. As receitas
obtidas são distribuídas respeitando os seguintes princípios: Solidariedade
(uma parte é destinada à formação, a clubes de divisões inferiores e a diversos
stakeholders do sector, como a arbitragem, o sindicato dos jogadores, etc);
Equitatividade (os clubes participantes obtêm um valor fixo); Competência
(montante entregue de acordo com a classificação); E popularidade (baseado,
entre outros, na dimensão da massa adepta dos clubes, nas audiências e na
população das cidades).
Crê-se, desta forma, que o bolo a dividir seja maior,
nomeadamente porque se parte do princípio, por demonstrar, que haverá
operadores estrangeiros a participar no leilão. Assim, por magia, julga-se que
haverá rios de dinheiro a garantir, artificialmente, a subsistência de clubes
sem adeptos e, consequentemente, sem capacidade para gerar as receitas que
permitiriam a sua sustentabilidade. Mais grave ainda, continuar-se-á a ignorar
os problemas estruturais que assolam o futebol português, alguns deles a
montante das suas particularidades e que são ainda mais gravosos para os outros
desportos que, contrariamente ao que acontece em Portugal, têm, noutros países,
o seu espaço e constituem-se como verdadeiras indústrias. Este será,
provavelmente, o tema da minha próxima crónica.
Vida Económica - 22/5/2015