Foi com grande surpresa que os adeptos de futebol, em
Portugal, souberam da notícia da contratação, por parte do Sporting, do
ex-treinador do Benfica, Jorge Jesus. É certo que já há algum tempo surgiam rumores
de uma certa incompatibilidade entre o perfil técnico de Jorge Jesus e o rumo
estratégico pretendido pela SAD benfiquista, mas, mesmo num cenário, que se
veio a verificar, de interrupção da ligação que durava há seis anos, poucos
acreditariam na possibilidade do futuro imediato do treinador oriundo da
Amadora passar por Alvalade.
Nem o Benfica, nem Jorge Jesus, haviam afirmado publicamente
a intenção de seguirem caminhos diferentes. No Sporting, e apesar dos sinais de
desgaste evidentes na relação entre Bruno de Carvalho e Marco Silva, era
público o apreço da generalidade dos sportinguistas pelo seu treinador. Acresce
que, no plano desportivo, Jorge Jesus deu um passo atrás, passando a comandar o
futebol do clube que, entre os “três grandes”, menos está habituado a ganhar e
a marcar presença na Liga dos Campeões, além de ser tido como o que está pior
apetrechado ao nível do plantel.
No entanto, mais do que a questão da rivalidade centenária
entre Benfica e Sporting e a animosidade dela decorrente entre os adeptos de
ambos os clubes, não se poderá afirmar que, para já, tenha havido grande
celeuma em torno desta “transferência”. Se, entre os benfiquistas, reinou,
sobretudo, a surpresa pela “falta de ambição” de Jorge Jesus (um ano antes, recusou
um cenário de saída afirmando que Real Madrid e Barcelona tinham treinador),
julgo que, para os sportinguistas, mais que o entusiasmo pela chegada de um
treinador bicampeão nacional, persiste o receio que esteja a ser dado um passo
maior que a perna. Tal não se deverá, certamente, à competência de Jorge Jesus,
mas antes ao salário que auferirá nos próximos quatro anos quando é sobejamente
conhecida a situação financeira complicada vivida em Alvalade. Disso fizeram
eco várias figuras públicas assumidamente sportinguistas, entre os quais
ex-presidentes e, até, António Pires de Lima, o Ministro da Economia.
A SAD sportinguista encontra-se, actualmente, sob pena
suspensa no âmbito do “fair-play financeiro”. Não obstante ser provável que
conseguirá cumprir as determinações da UEFA (terá que apresentar um lucro de
4.9M€ no final do exercício), subsistem algumas dúvidas após a leitura do
último relatório e contas publicado (3º trimestre 2014/15). Desde logo, o
aumento de capital (108M€) concedeu, neste âmbito, uma margem de actuação mais
alargada. No entanto, este deveu-se não só à incorporação do resultado líquido
do período (22.1M€), mas, sobretudo, à emissão de VMOC (80M€), que poderá, eventualmente,
fazer com que o Sporting, em 2026, perca a sua posição maioritária no capital
da SAD, e à incorporação da Sporting Património e Marketing, SA (28M€).
Convém ainda referir que o resultado líquido verificado
deve-se, grosso modo, à alienação do passe de Marcos Rojo (20M€), à
reestruturação financeira (proveito financeiro imediato de cerca de 12.7M€,
pelo “desreconhecimento” das comissões incorridas e diferenciais de juros) e à
participação, com entrada directa, na Liga dos Campeões (12M€).
Sobre o internacional argentino cedido ao Manchester United,
é conhecido o diferendo com a empresa Doyen, detentora de 75%do passe. A
Sporting SAD liquidou 3M€ à Doyen, que corresponde ao montante investido por
essa empresa. A Doyen alega que deveria ter recebido a mais-valia de 12M€, pelo
que o diferendo se encontra por solucionar. No entanto, a Sporting SAD
considerou não existirem razões para constituir uma provisão, não havendo,
portanto, um custo desse valor reflectido nas contas. Quanto ao proveito
financeiro decorrido da reestruturação financeira, não se vislumbra a
possibilidade de nova ocorrência. Finalmente, a incerteza relativamente à
participação na fase de grupos da Liga dos Campeões condiciona o orçamento
leonino para a próxima temporada, conforme reconhecido pelo seu presidente, em
entrevista à SportingTV. Refira-se que é bastante improvável que o Sporting
venha a ser cabeça-de-série no sorteio da 3ª pré-eliminatória de acesso à fase
de grupos, o que poderá significar ter, como adversário, Manchester United,
Valencia, Leverkusen ou Monaco, por exemplo.
Perante este cenário, a que deverá acrescer a eventual
indemnização a Marco Silva, nada faria crer que o Sporting se aventurasse pela
contratação de um técnico que, de acordo com o conceituado diário desportivo
espanhol “Marca”, era o nono na lista dos treinadores melhor pagos a nível
mundial. E, de acordo com o que tem sido veiculado pela comunicação social, com
um aumento substancial de ordenado. Naturalmente, a primeira questão levantada
esteve relacionada com a proveniência dos fundos que permitem, à SAD leonina,
um custo desta grandeza com o seu treinador, levando a que Bruno de Carvalho
afirmasse que a operação é financiada com “recursos financeiros próprios”.
Do meu ponto de vista, e com base na leitura das contas da
Sporting, SAD, tal afirmação, partindo do princípio que corresponde à verdade,
só poderá ser entendida sob uma de duas premissas: O Sporting conta com
entradas significativas de dinheiro através da alienação de passes de jogadores
e/ou é convicção da direcção leonina que a contratação de um técnico como Jorge
Jesus permitirá, com um grau de certeza elevado, a geração de maiores receitas
pela potenciação do valor dos atletas e pela obtenção de bons resultados
desportivos, que resultará, presumivelmente, em receitas maiores. No fundo,
parece-me que o Sporting pretende recriar o percurso benfiquista no período em
que Jorge Jesus liderou os “encarnados”. Mas há diferenças…
Quando Jorge Jesus chegou ao Benfica, o plantel à sua
disposição era considerado forte pela generalidade da crítica. Maxi Pereira,
Luisão, David Luiz, Di María, Aimar e Cardozo, entre outros, transitavam da
época anterior. O insucesso benfiquista era atribuído ao mau desempenho dos
seus técnicos, ao contrário do que sucede, agora, no Sporting, com Leonardo
Jardim e Marco Silva. Mas Jorge Jesus beneficiou ainda do reforço, em qualidade
e quantidade, do plantel (mais de uma dezena de contratações), entre os quais
Javi Garcia, Saviola e Ramires, esteios do sucesso que chegaria um ano depois.
Ao todo, o Benfica investiu, nesse defeso, cerca de 30M€. Note-se, também, que
o forte investimento encarnado não se restringiu a essa temporada, repetindo-se
sucessivamente com repercussões, apesar do crescimento notável das receitas, na
dimensão do passivo, só invertendo essa tendência nos últimos dois anos.
Outra diferença fundamental está relacionada com a
concorrência. Se ao Benfica de Jorge Jesus coube aproximar-se do F.C. Porto, ao
Sporting caberá, no presente, esbater a distância significativa a que está de
Benfica e F. C. Porto. O Benfica, bicampeão, beneficiará da dinâmica de vitória
entretanto adquirida, de uma relativa estabilidade e de alguma folga de
tesouraria. O F.C. Porto prevê-se que continuará a gozar da capacidade de
investir fortemente na qualidade do seu plantel, que não sendo garantia de
sucesso (em 2014/15 apresentou o maior orçamento de sempre do futebol português
sem qualquer triunfo), é, no mínimo, suficiente para ser competitivo. O
Sporting, por seu turno, concentrou esforços na contratação da sua equipa
técnica e afirma dispor de recursos próprios. De acordo com a comunicação
social, Jorge Jesus já terá dado mostras do seu descontentamento pelo suposto
falhanço da contratação de um reforço…
Vida Económica - 26/6/2015