(Versão final em inglês)
A popularidade de um clube de futebol deve-se, normalmente, a factores regionais e ao sucesso desportivo. O Benfica, conhecido mundialmente pelos adeptos de futebol por “Gigante de Portugal”, não é excepção.
A popularidade de um clube de futebol deve-se, normalmente, a factores regionais e ao sucesso desportivo. O Benfica, conhecido mundialmente pelos adeptos de futebol por “Gigante de Portugal”, não é excepção.
De facto, os feitos desportivos do Benfica
desde os seus primórdios, entre outras razões, tornaram o clube num fenómeno de
popularidade incomparável no seu país. Os encarnados são os que mais
Campeonatos Nacionais (34) e Taças de Portugal (25) conquistaram, o clube
português que marcou presença em mais finais de competições da UEFA (10 - 7 na
Liga dos Campeões e três na Liga Europa), além de ser o único que venceu a Liga
dos Campeões duas vezes consecutivas (1961; 1962) e também o único que ganhou a
Taça Latina (1950), considerada a predecessora da Liga dos Campeões.
No maior estudo realizado acerca da sociedade portuguesa
(publicado em 2002), 50.3% dos inquiridos afirmaram ser do Benfica, enquanto
F.C. Porto (23.1%) e Sporting (22.5%) ocuparam as posições seguintes. Outro
dado interessante retirado deste estudo é o de que a popularidade do Benfica
não é influenciada por factores etários, regionais ou sócio-económicos. Noutros
estudos sobre esta temática, os valores relativos variaram. No entanto, a comparação
entre o Benfica e os seus dois principais adversários é constante: O Benfica
tem mais adeptos que os seus rivais juntos.
Um observador menos atento, ao tomar conhecimento destes
dados, poderá associar a grandeza do Benfica aos anos 60, cuja equipa, por ter
disputado cinco finais da Liga dos Campeões e vencido duas delas, é
recorrentemente incluída nas listas das dez melhores de sempre do futebol, e,
em particular, a Eusébio. O “pantera negra”, considerado um dos melhores
jogadores da história do futebol, é a maior figura do Benfica e a única com
direito a uma estátua no estádio da Luz. Em 15 temporadas, celebrou 11
Campeonatos Nacionais e marcou 638 golos em 614 jogos.
No entanto, em 1961, quando o Benfica bateu o Barcelona, por
3-2, na final da Liga dos Campeões, Eusébio estava a dar os primeiros passos no
futebol português, não participando em qualquer partida dessa competição. Nessa
mesma temporada, os “encarnados” conquistaram o seu 11º título nacional, passando
a deter o recorde de títulos. E é preciso ter em conta que, a partir de 1960, o
estádio do Benfica tinha capacidade para 70 mil espectadores. Portanto, é
preciso recuar muitos anos para se perceber a popularidade do Benfica.
No início do século passado, surgiu o entusiasmo pelo
futebol em Portugal. Belém era, nessa altura, um dos bairros lisboetas mais
jovens e com maior densidade populacional. Era também onde estava localizada a então
maior instituição de ensino portuguesa, a Casa Pia, vocacionada para acolher crianças
órfãs e prepará-las para a vida adulta. Da vontade partilhada por muitos jovens
daquela zona de Lisboa em jogar futebol, nasceu o Benfica. Como o objectivo
principal era a prática do futebol, todos os interessados eram bem acolhidos e
integrados no clube, fazendo-o crescer rapidamente, sem deixar de respeitar uma
premissa relevante: A exclusividade da nacionalidade portuguesa dos seus
atletas, sendo um dos poucos clubes que não aceitava estrangeiros nas suas
fileiras (Jorge Gomes, brasileiro, foi, em 1979, o primeiro estrangeiro a
representar o Benfica).
O Carcavellos, cuja equipa era formada por jogadores
ingleses que trabalhavam no Cabo Submarino, era invencível desde 1898 e coube
ao Benfica, passados nove anos, em 1907, a glória de o vencer. Este triunfo teve
um impacto significativo nos amantes de futebol, não só pelo feito em si, mas
também por imperar, ainda, entre os portugueses, um sentimento de revolta para
com os britânicos devido ao “Ultimato Britânico”, de 1890, em que o Reino Unido
exigiu que Portugal abandonasse os territórios entre as colónias de Angola e
Moçambique.
Nos anos seguintes, o clube, que já se mudara para outro dos
maiores bairros lisboetas, Benfica, tornou-se no mais bem-sucedido, vencendo,
nas onze temporadas entre 1909 e 1920, oito Campeonatos Regionais (a competição
mais importante nesse período) e estabelecendo-se enquanto principal promotor
do futebol em Portugal (e outros desportos). Desde esses tempos, o Benfica
centrou esforços no seu crescimento. Participava regularmente em partidas em
regiões distantes de Lisboa (por exemplo, foi o primeiro clube de Portugal
continental a deslocar-se à deslumbrante ilha da Madeira e foi o primeiro clube
de Lisboa a actuar na cidade do Porto), dispunha de secretaria no centro de
Lisboa para melhor servir os seus associados, publicou um jornal semanal a
partir de 1913 e instituiu delegações espalhadas pelo país, incluindo nas
antigas colónias africanas.
Em 1925, inaugurou o seu primeiro estádio, o Campo das
Amoreiras, situado entre dois dos bairros lisboetas mais populosos na primeira metade
do século passado, e em que predominava a classe trabalhadora.
No ano seguinte, ocorreu a “Revolução Nacional”, o movimento
que possibilitou a ditadura que vigorou em Portugal até 1974. No entanto, o
Benfica não se deixou influenciar pela situação política no país, nunca
deixando de realizar eleições livres e democráticas para eleger os seus órgãos
sociais, sendo uma das poucas instituições portuguesas, senão mesma a única, a
fazê-lo nesse período. Apesar deste facto histórico não se dever a uma
antagonização ao regime político (nem o seu contrário, o princípio foi o de não
interferência na vida política), ocorreram alguns eventos políticos que
contribuíram para a popularidade do Benfica.
Desde logo, a expropriação do campo das Amoreiras (1941),
que obrigou o clube a procurar uma nova localização. Também a censura ao hino
do clube devido ao título, pois incluía a palavra “Avante”, a qual poderia ser
conotada com movimentos comunistas. Mais tarde, a utilização de bandeiras benfiquistas,
por serem vermelhas, em manifestações políticas contrárias ao regime
ditatorial. Acresce que foi na década de 60, a das cinco finais da Liga dos
Campeões, que ocorreu a maior vaga de emigração portuguesa, passando o Benfica
a ser, por vezes, o único elo de ligação a Portugal para centenas de milhares
de portugueses que procuraram obter, noutros países, melhores condições de
vida.
Por outro lado, o Benfica foi o primeiro clube a ter um negro
entre as suas estrelas. Guilherme Espírito Santo (1936-1950, 199 golos em 285
jogos) é considerado um dos melhores jogadores de sempre do Benfica. Esta
abertura ideológica reflectiu-se igualmente na proveniência dos jogadores, o
que resultou numa forte ligação às antigas colónias. Entre muitos exemplos que
poderiam ser dados, José Águas, o capitão de equipa bicampeã europeia e segundo
melhor marcador de sempre do Benfica, nasceu em Angola. Mário Coluna, “o
capitão dos capitães”, nasceu em Moçambique. Assim como Nené, que, com 802
jogos de águia ao peito, é o jogador que mais vezes representou o Benfica. E,
claro, o “rei” Eusébio, que chegou ao Benfica aos 18 anos, proveniente de
Moçambique.
António Lobo Antunes, um dos principais escritores
portugueses, conta frequentemente que, durante a guerra colonial, havia uma
espécie de tréguas durante os jogos do Benfica. Em cada lado da barricada,
todos seguiam atentamente o desenrolar das partidas, substituindo as armas por
aparelhos de rádio, pelos quais se poderia ouvir o relato dos feitos de Eusébio
e companhia.
Todos estes factos e acontecimentos contribuíram para uma
base de adeptos estimada, incluindo as antigas colónias e as comunidades
portuguesas espalhadas pelo mundo, em 14.5 milhões de benfiquistas. O Benfica é
o maior clube em Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde. E é, provavelmente,
o maior na Suíça e Luxemburgo, e um dos maiores em França. Uma deslocação do
Benfica à América do Norte, a França, à Alemanha ou à Suíça é sinónimo de
sucesso garantido na receita de bilheteira. Como os benfiquistas costumam afirmar,
“o Benfica é maior que Portugal”.
Pickles Magazine - 14/2/2016
Ilustração de Akacorleone