Domingos Soares Oliveira, administrador da SAD benfiquista,
proferiu, há cerca de duas semanas após a Assembleia-Geral realizada para a
discussão e aprovação do Relatório e Contas 2014/15 da SLB, SAD, uma afirmação
que considerei surpreendente. Disse que, “independentemente de anúncios que
venham a surgir relativamente a acordos ou patrocinadores, neste momento a
tendência é claramente positiva”.
A razão da minha surpresa não esteve relacionada com a
tendência declarada, uma vez que já tinha sido publicado o relatório referente
ao primeiro trimestre da presente temporada, o qual, para quem o leu
atentamente, revela a presente boa época benfiquista no plano financeiro. Mais
do que pelo resultado líquido apresentado (12.2M€), não obstante este dever ser
enaltecido por, para este montante, contribuir o resultado operacional sem
transacções de atletas de quase 6M€ positivos, a SAD benfiquista adopta uma
política contabilística diferente das SAD portista e sportinguista no que diz
respeito às receitas das competições europeias, optando por diluir o impacto do
prémio da participação na Liga dos Campeões por períodos diferentes. O
critério, não sendo melhor nem pior (embora me pareça mais equilibrado), é
diferente e deve ser tido em conta nas análises comparativas intercalares da
performance financeira das SAD dos chamados “três grandes”.
Enquanto o F.C. Porto contabiliza esta receita no momento em
que adquire o direito à participação na fase de grupos da Liga dos Campeões (a
da presente temporada foi, assim, registada no 4º trimestre de 2014/15) e o
Sporting opta por fazer incidir a totalidade deste montante no início da
competição, o Benfica reparte-a pela data de ocorrência dos jogos. Ou seja, do
prémio de 12M€ do apuramento para a fase de grupos, apenas 4M€ constam no
primeiro trimestre, uma vez que foram realizados apenas dois jogos neste
período. Os restantes 8M€ serão registados no segundo trimestre, período em que
são disputados os restantes quatro jogos desta fase.
Sabendo-se que o Benfica obteve duas vitórias e dois empates
(escrevo esta crónica antes da partida frente ao Atlético de Madrid na Luz) e
que já garantiu o acesso aos oitavos-de-final da competição (prémio de 5.5M€),
o pecúlio obtido totaliza, até ao momento, 23.5M€ (além das verbas do market pool e de acertos da época
anterior), estando somente 7M€ (os 4 mais 3 de uma vitória e um empate)
reflectidos nos proveitos operacionais. A tendência é, pois, claramente
positiva.
No entanto, ao avaliarmos a referida tendência positiva, as
consequências contabilísticas da adopção deste critério não se esgotam nos
proveitos operacionais. O Benfica, ao “adiar” o registo destas receitas, está,
no fundo, a diferi-las. O mesmo será dizer que o passivo foi aumentado, mas decrescerá
quando os proveitos forem reconhecidos. Portanto, ao invés do crescimento de
cerca de 2.6M€, houve, na prática, um decréscimo mínimo de 4.32M€ (resultante
do aumento da rubrica de diferimentos subtraída pelo aumento do passivo), um
pouco acima de 1%. Refira-se que o Benfica adopta o mesmo critério para as
receitas corporate (camarotes),
diluindo-as ao longo da temporada, com repercussões semelhantes nos proveitos e
no passivo.
Sem prestarmos a devida atenção a estes pormenores, não
valerá a pena comparar as contas dos “três grandes”. Um dos “pormenores” mais
importantes e que é sistematicamente ignorado, está relacionado com a dimensão
do passivo. No final do primeiro trimestre os passivos das SAD do Benfica,
Porto e Sporting eram, respectivamente, 432.2M€, 318.3M€ e 232.3M€. Desde logo,
sem se fazer acompanhar pelo nível de receitas, é inútil compará-los (para mim,
um passivo de 500 mil euros representaria um enorme problema, enquanto que para
Bill Gates não o será certamente). E importa, também, perceber como é formado
esse passivo.
Tomando a SAD benfiquista como base de comparação, deverá
ter-se em conta que, além do futebol, fazem parte desta a BTV e a Benfica
Estádio, além de outras participações pouco significativas para as suas contas
consolidadas. A SAD portista, por seu turno, engloba uma série de entidades no
seu perímetro de consolidação, sendo que, para este efeito, destaco a sociedade
EuroAntas, da qual detém 47% do capital. A EuroAntas dedica-se à “exploração de
activos imobiliários, nomeadamente do Estádio do Dragão” e passou a ser
parcialmente detida pela SAD portista após a reestruturação de capital empreendida
em Outubro de 2014. Quando esta operação ocorreu, o passivo da SAD portista
cresceu cerca de 45M€, pressupondo-se que o passivo da Euroantas seria, então,
à volta de 96M€. Seguindo esta linha de raciocínio, presume-se que se teria que
acrescentar cerca de 51M€ ao passivo da SAD portista se a EuroAntas, como a
Benfica Estádio no caso benfiquista, fosse detida a 100% e, só aí, começar a
comparar o passivo de ambas as sociedades.
No caso sportinguista, já explanado em crónicas anteriores,
é importante relembrar que foram emitidas VMOC que perfazem, no total, cerca de
127M€ e que a dívida de 20M€ à sociedade Holdimo foi convertida em capital. Ou
seja, contrariamente ao FC Porto e ao Benfica, há razões que me levam a
considerar existir o sério risco do Sporting poder vir a perder o controlo da
sua SAD, o que, na minha opinião, será, caso ocorra, um preço demasiado elevado
para a resolução dos problemas que o clube e as suas participadas têm vindo a
enfrentar. Reconheço, no entanto, que assumir este risco poderá ter sido
necessário e que se acredita que, em 2026, o Sporting terá a capacidade de
solucionar esta questão. Contudo, sem se considerar como retirou 147M€ ao
passivo, de pouco valerão as comparações.
Ultrapassada a questão da “tendência claramente positiva”, a
qual subscrevo, importa referir a razão de me ter sentido surpreendido com a
afirmação de Domingos Soares Oliveira, ou melhor, com parte dela:
“Independentemente de anúncios que venham a surgir relativamente a acordos ou
patrocinadores”.
A menção a eventuais anúncios de acordos ou patrocinadores
indiciava que estes estariam para surgir brevemente. A notícia da notícia fez a
notícia, passo a expressão. Passados poucos dias, a comunicação social começou
a dar conta de um acordo entre o Benfica e a NOS relacionado com a exploração
dos direitos televisivos e da distribuição da BTV, obrigando esta entidades a
emitirem um comunicado a confirmar o que ainda se desconhecia se se trataria de
especulação ou se corresponderia à realidade, remetendo a explicação detalhada
para uma conferência de imprensa a realizar a 10 de Dezembro, data posterior a
autoria desta crónica.
Como tal, não entrarei em grandes considerandos sobre esta
matéria, preferindo realçar o extraordinário montante global do negócio (400M€)
e tecer alguns comentários sobre o que julgo ter levado o Benfica a abandonar o
caminho iniciado há dois anos para o seu canal de televisão.
No final de 2013/14, o Benfica informou, através do
Relatório e Contas da sua SAD, que o lucro da BTV teria sido um pouco acima dos
17M€. Em 2014/15, o Benfica não revelou quanto ganhou com a BTV, sendo que
várias estimativas apontam para um valor a rondar os 22.5M€. Acresce que, de
acordo com declarações públicas de responsáveis benfiquistas, a decisão tomada
pelo Benfica de explorar os direitos de transmissão televisiva dos jogos da sua
equipa principal de futebol extravasavam o teor financeiro, pesando também o
seu carácter político e as inúmeras manifestações de vontade, por parte dos
adeptos, do clube cessar a relação existente com a Olivedesportos.
Creio, no entanto, que se percebeu, no Benfica, que a BTV,
mantendo-se o preço de subscrição do canal e o investimento em conteúdos,
estaria perto de atingir a sua capacidade máxima de obtenção de receitas. Além
disso, para manter a Premier League na sua oferta de conteúdos, teria que
aumentar significativamente o investimento (de acordo com a comunicação social,
a SportTv pagará 10M€/ano, enquanto que a BTV pagava somente 3M€/ano), o que
significaria um aumento elevado dos seus custos operacionais. Por outro lado,
ao comprometer-se por dez anos, adia por uma década a questão da centralização da
exploração dos direitos televisivos, uma das bandeiras da direcção da Liga
presidida pelo antigo árbitro Pedro Proença, e na qual o Benfica,
aparentemente, não se revia. E, em bom rigor, o negócio é com a NOS e não com a
PPTV de Joaquim Oliveira.
Para utilizar a gíria popular, o Benfica “matou vários
coelhos de uma cajadada só” e relembro que Domingos Soares Oliveira mencionou,
na tal afirmação que referi no início desta crónica, “acordos ou patrocinadores“,
no plural, deixando-me intrigado sobre o que mais poderá vir a ser anunciado
pelo Benfica num tempo em que os seus rivais não têm patrocinador na frente das
suas camisolas...
Vida Económica - 18/12/2015