Na minha crónica publicada a 20 de Março último, parti da
coincidência das Sociedades Anónimas Desportivas dos três maiores clubes
portugueses não estarem, desde há vários anos num mesmo período, em situação de
falência técnica para demonstrar que, contrariamente ao que a novidade poderia
fazer pressupor, as fragilidades das finanças destas SADs subsistem.
A razão principal para a escolha desse tema deveu-se a este
ser um dos itens referidos com alguma frequência na comunicação social, sem que
haja a devida contextualização que, na minha opinião, é imprescindível para
melhor compreender o que significam os resultados.
Em boa verdade, a imprensa desportiva portuguesa, no que diz
respeito às contas dos clubes, limita-se, na maior parte das vezes, a
transcrever parcialmente as conclusões dos Relatórios e Contas apresentados
pelas sociedades, seleccionando dados avulsos que, presumo, lhes pareçam ser do
interesse dos seus consumidores. Nesta crónica, centrar-me-ei na dificuldade de
comparar os passivos e os activos das SADs pois, por vezes, esta comparação é
apresentada como uma espécie de campeonato entre os três clubes.
Desde logo importa distinguir clubes e SADs. Esta distinção
parece evidente, mas nem sempre ocorre. Durante anos, vi serem comparados
passivos e activos de SADs sem que fosse referido o conjunto de empresas que as
compunham. Esta informação é particularmente relevante, tendo em conta os
avultados investimentos em infra-estruturas realizados no início do milénio.
Por exemplo, a Benfica, SAD integra, desde Dezembro de 2009, o total do capital
da Benfica Estádio, enquanto a EuroAntas foi integrada na F.C. Porto, SAD
(aquisição de 47% do capital) no presente exercício e o mesmo se aplica à
Sporting Património e Marketing, S.A., no caso da Sporting C. P., SAD. O
impacto no passivo e activo da cada SAD é de tal forma significativo que tornava
inútil a simples comparação dos seus valores absolutos.
O mesmo se aplica às situações de falência técnica, quase
sempre referidas em tom alarmista. Não me alongarei para além do que escrevi na
crónica anterior, em que demonstrei que a saída dessa situação não é sinónimo
de bonança. Sem o devido enquadramento, a falência técnica pouco significado
terá. Quantas empresas, devido a crises insolúveis de liquidez, iniciaram
processos de falência sem estarem previamente numa situação líquida negativa?
Ou, por outro lado, quantos são os casos de empresas em falência técnica que se
mantêm em actividade por muitos anos sem que sofram grandes sobressaltos na
gestão de tesouraria?
Um dos itens interessantes nesse enquadramento, está
relacionado com o activo, o qual, em SADs de futebol, afigura-se complicado de
avaliar. Esta dificuldade está relacionada, sobretudo, com a valorização dos
activos tangíveis e intangíveis. Relativamente aos activos tangíveis, deverá
levantar-se uma questão fundamental, além do que integra, ou não, o perímetro
de consolidação da SAD. Que autonomia têm as SADs para realizar estes activos?
Reduzidos que estão às instalações desportivas, ao equipamento inerente às
mesmas e às áreas comerciais anexas, não se vislumbra a possibilidade da sua
alienação a não ser em casos extremos e, ainda assim, sujeita à aprovação dos
associados do principal acionista, o clube, em que, normalmente a emoção se
sobrepõe à razão na tomada de decisões. Apesar da construção de novos estádios
no período que antecedeu a realização do Campeonato da Europa de futebol em
2004, face aos benefícios apresentados, terem sido processos bastante
discutidos mas de simples aprovação, em nenhum dos casos dos três principais
clubes portugueses foi apresentado um cenário de deslocalização, o qual poderia
permitir um encaixe significativo tomando por base uma eventual conjuntura
favorável do sector imobiliário e o apoio político no âmbito camarário,
essencial para a alteração de PDM e eventuais anulações ou revisões de
protocolos celebrados no passado.
Em sentido inverso, a mensuração dos activos intangíveis, na
sua maioria constituídos pelos direitos económicos de atletas, fica aquém do
valor potencial da sua alienação. Ou seja, o valor líquido contabilístico
(valor de aquisição deduzido das amortizações anuais acumuladas) é
potencialmente inferior ao montante que se receberia com a venda dos passes.
Sendo certo que uma SAD não alienará todos os passes de atletas que detém, as
sucessivas mais-valias obtidas ao longo dos anos neste tipo de operações
demonstram que se poderá considerar real a existência de activos ocultos. Por
se tratar de um exercício especulativo, não poderá constar no balanço. Tendo em
conta que a Benfica, SAD valorizava, a 31 de Dezembro de 2014, o seu plantel em
94.5 M€ líquidos, e a F.C. Porto, SAD, na mesma data, em cerca de 85M€, bastará
prestar atenção aos montantes das alienações de passes praticadas por estas
sociedades para se perceber a questão. Por exemplo, e só para citar os casos
mais recentes, Bernardo Silva, que nem sequer fazia parte do plantel principal
do Benfica, rendeu 15,75M€ e Danilo, cedido pelo F.C. Porto, valeu 31.5M€
conforme comunicado à CMVM emitido pela SAD portista.
Através destes exemplos, e tantos outros na última década,
facilmente se reconhecerá a capacidade de realização de mais-valias por parte
destas duas sociedades através da alienação de passes de jogadores sem que a
sua competitividade desportiva, pelo menos no plano interno, seja significativamente
afectada, transformando um instrumento, à partida, extraordinário, num acto
corrente da sua gestão, a qual, neste capítulo em particular – a valorização
dos seus activos – é exemplar a nível mundial.
Termino com uma referência breve a outro activo oculto, deixando
uma questão em aberto, que se aplica, sobretudo, dado os diferentes modelos de
exploração, à Benfica, SAD: Qual será o valor de mercado dos canais de
televisão dos clubes?
Vida Económica - 17/4/2015