segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A dificuldade da avaliação dos activos das SAD

Na minha crónica publicada a 20 de Março último, parti da coincidência das Sociedades Anónimas Desportivas dos três maiores clubes portugueses não estarem, desde há vários anos num mesmo período, em situação de falência técnica para demonstrar que, contrariamente ao que a novidade poderia fazer pressupor, as fragilidades das finanças destas SADs subsistem.

A razão principal para a escolha desse tema deveu-se a este ser um dos itens referidos com alguma frequência na comunicação social, sem que haja a devida contextualização que, na minha opinião, é imprescindível para melhor compreender o que significam os resultados.

Em boa verdade, a imprensa desportiva portuguesa, no que diz respeito às contas dos clubes, limita-se, na maior parte das vezes, a transcrever parcialmente as conclusões dos Relatórios e Contas apresentados pelas sociedades, seleccionando dados avulsos que, presumo, lhes pareçam ser do interesse dos seus consumidores. Nesta crónica, centrar-me-ei na dificuldade de comparar os passivos e os activos das SADs pois, por vezes, esta comparação é apresentada como uma espécie de campeonato entre os três clubes.

Desde logo importa distinguir clubes e SADs. Esta distinção parece evidente, mas nem sempre ocorre. Durante anos, vi serem comparados passivos e activos de SADs sem que fosse referido o conjunto de empresas que as compunham. Esta informação é particularmente relevante, tendo em conta os avultados investimentos em infra-estruturas realizados no início do milénio. Por exemplo, a Benfica, SAD integra, desde Dezembro de 2009, o total do capital da Benfica Estádio, enquanto a EuroAntas foi integrada na F.C. Porto, SAD (aquisição de 47% do capital) no presente exercício e o mesmo se aplica à Sporting Património e Marketing, S.A., no caso da Sporting C. P., SAD. O impacto no passivo e activo da cada SAD é de tal forma significativo que tornava inútil a simples comparação dos seus valores absolutos.

O mesmo se aplica às situações de falência técnica, quase sempre referidas em tom alarmista. Não me alongarei para além do que escrevi na crónica anterior, em que demonstrei que a saída dessa situação não é sinónimo de bonança. Sem o devido enquadramento, a falência técnica pouco significado terá. Quantas empresas, devido a crises insolúveis de liquidez, iniciaram processos de falência sem estarem previamente numa situação líquida negativa? Ou, por outro lado, quantos são os casos de empresas em falência técnica que se mantêm em actividade por muitos anos sem que sofram grandes sobressaltos na gestão de tesouraria?

Um dos itens interessantes nesse enquadramento, está relacionado com o activo, o qual, em SADs de futebol, afigura-se complicado de avaliar. Esta dificuldade está relacionada, sobretudo, com a valorização dos activos tangíveis e intangíveis. Relativamente aos activos tangíveis, deverá levantar-se uma questão fundamental, além do que integra, ou não, o perímetro de consolidação da SAD. Que autonomia têm as SADs para realizar estes activos? Reduzidos que estão às instalações desportivas, ao equipamento inerente às mesmas e às áreas comerciais anexas, não se vislumbra a possibilidade da sua alienação a não ser em casos extremos e, ainda assim, sujeita à aprovação dos associados do principal acionista, o clube, em que, normalmente a emoção se sobrepõe à razão na tomada de decisões. Apesar da construção de novos estádios no período que antecedeu a realização do Campeonato da Europa de futebol em 2004, face aos benefícios apresentados, terem sido processos bastante discutidos mas de simples aprovação, em nenhum dos casos dos três principais clubes portugueses foi apresentado um cenário de deslocalização, o qual poderia permitir um encaixe significativo tomando por base uma eventual conjuntura favorável do sector imobiliário e o apoio político no âmbito camarário, essencial para a alteração de PDM e eventuais anulações ou revisões de protocolos celebrados no passado.

Em sentido inverso, a mensuração dos activos intangíveis, na sua maioria constituídos pelos direitos económicos de atletas, fica aquém do valor potencial da sua alienação. Ou seja, o valor líquido contabilístico (valor de aquisição deduzido das amortizações anuais acumuladas) é potencialmente inferior ao montante que se receberia com a venda dos passes. Sendo certo que uma SAD não alienará todos os passes de atletas que detém, as sucessivas mais-valias obtidas ao longo dos anos neste tipo de operações demonstram que se poderá considerar real a existência de activos ocultos. Por se tratar de um exercício especulativo, não poderá constar no balanço. Tendo em conta que a Benfica, SAD valorizava, a 31 de Dezembro de 2014, o seu plantel em 94.5 M€ líquidos, e a F.C. Porto, SAD, na mesma data, em cerca de 85M€, bastará prestar atenção aos montantes das alienações de passes praticadas por estas sociedades para se perceber a questão. Por exemplo, e só para citar os casos mais recentes, Bernardo Silva, que nem sequer fazia parte do plantel principal do Benfica, rendeu 15,75M€ e Danilo, cedido pelo F.C. Porto, valeu 31.5M€ conforme comunicado à CMVM emitido pela SAD portista.

Através destes exemplos, e tantos outros na última década, facilmente se reconhecerá a capacidade de realização de mais-valias por parte destas duas sociedades através da alienação de passes de jogadores sem que a sua competitividade desportiva, pelo menos no plano interno, seja significativamente afectada, transformando um instrumento, à partida, extraordinário, num acto corrente da sua gestão, a qual, neste capítulo em particular – a valorização dos seus activos – é exemplar a nível mundial.


Termino com uma referência breve a outro activo oculto, deixando uma questão em aberto, que se aplica, sobretudo, dado os diferentes modelos de exploração, à Benfica, SAD: Qual será o valor de mercado dos canais de televisão dos clubes?

Vida Económica - 17/4/2015

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