O que são dois centímetros?
Meia rolha; aproximadamente o diâmetro da abertura de um
umbigo normal, de uma moeda de cinco cêntimos ou da tampa de uma garrafa de
dois litros de refrigerante; a altura de uma pilha de 40 cartões multibanco;
dois dedos mindinhos juntos; a lombada do livro “Conduz o teu arado sobre os
ossos dos mortos”, de Olga Tokarczuk, edição inglesa, capa mole; etc, etc, etc…
… também a alegada distância entre as partes dos corpos que
podem jogar a bola de Darwin e Mbemba supostamente mais perto da baliza no
hipotético momento em que a bola deixou de estar em contacto com o pé de Otamendi.
E, por exemplo, da palavra “roubo” no ecrã do meu portátil,
zoom a 100%, tipo de letra Times New Roman, a negrito, tamanho 18.
Já em 31 de janeiro de 2020 defendi, em crónica publicado no
O Benfica, que escolher o frame exacto na avaliação de um fora de jogo é, de
certa forma, aleatório. E expliquei porquê:
A velocidade média de um jogador de futebol, quando
arranca e sprinta, é 29 Kms/hora (35 metros em 4.3 segundos). Ou seja,
ligeiramente acima de 8 metros por segundo. Se o VAR, em Portugal, usar 300
frames por segundo, o que estaria na vanguarda deste tipo de tecnologia,
significa que, entre cada frame, há uma distância média de 2,7 cms.
Na altura desconhecia quantos frames por segundo permitia a
tecnologia usada no futebol, daí a referência à vanguarda de então neste
domínio. Parece que são 50, ou seja, entre cada frame, pode haver uma diferença
média de 16,2 centímetros.
Para agravar, no futebol português acresce à descrença
generalizada quanto à escolha dos frames correctos, as suspeitas sobre os
pontos de análise escolhidos, isto é, quando a bola é passada e a posição das
partes dos corpos dos jogadores que podem jogar a bola.
Muita razão tem o Benfica em exigir uma auditoria externa à
utilização do VAR nos lances de fora de jogo, nomeadamente os decididos em
função de escassos centímetros.
Analistas externos e independentes repetirem o processo que sustentou
as decisões mais complicadas seria a forma de se perceber se as decisões
tomadas foram, ou não, as mais possivelmente correctas. Seria a prova de que
teria havido sempre boa-fé e que o insustentável clima de pressão e coacção do
futebol português não teria influenciado a escolha deste ou daquele frame em
cada lance.
E das duas uma: as suspeitas passariam a ser infundadas ou
ter-se-ia dados que fomentassem a instituição de melhores práticas neste
capítulo da vídeoarbitragem, eventualmente concluindo-se até que um ou outro
árbitro não poderia alguma vez voltar a desempenhar a função.
Esta é uma medida concreta e facilmente implementável em
nome da transparência. E é aviltante que a luta pela transparência no futebol
português provoque tantas ondas de choque.
Jornal O Benfica - 13/5/2022
Deus escreve direito por linhas tortas, mas ao contrário o var escreve/decide torto por linhas direitas...
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