Parafraseando Machado de Assis, para quem Belo Horizonte não era uma cidade, mas uma exclamação, em certos aspectos Portugal não é um país, mas uma lamentação.
Nos últimos dias temos
sido bombardeados com o conteúdo de escutas no âmbito de um processo de
investigação que, se bem percebo, está ainda numa fase em que o acesso é muito
limitado, restrito ao Ministério Público e, eventualmente, a partes
interessadas como a Autoridade Tributária e outros. Nem sequer os visados terão
conhecimento oficial do conteúdo das investigações. Certo é que a comunicação
social parece estar inteirada de tudo o que tem sido feito na investigação (ou
do que interessa que se saiba), ao ponto de conhecer o conteúdo das escutas
efectuadas, ou parte delas.
Nada disto é novo. O
segredo de justiça, em Portugal, é uma brincadeira. A doutrina vigente neste
tema aparenta ser inspirada num verso da “The Fly”, dos U2, em que Bono canta
“diz-se que um segredo é algo que se conta a alguém”. E alguém, aqui, trata-se
da comunicação social que, em troca de um punhado de euros nas bancas e cliques
na internet, escudando-se numa noção vaga de interesse público, aceita servir
de ponta de lança na formação da opinião pública, fomentando-se o julgamento
popular para que se condicione a justiça, o que, a acontecer de facto, é
absolutamente inaceitável.
Para agravar a situação,
parte significativa do que tem vindo a ser noticiado nem sequer parece estar
relacionado com o processo em causa. Refiro-me a conversas privadas, nada ou,
quando muito, remotamente relevantes para o que está a ser investigado, como,
por exemplo, um treinador sugerir outro treinador para o Benfica. É nojento, é
uma devassa ignóbil ainda mais aviltante do que aquela que foi feita com os
emails roubados ao Benfica, pois, nesse caso, houve ladrões e receptadores,
neste há uma fuga de informação, presumivelmente do Ministério Público,
restando saber se propositada ou não, e já são demasiadas fugas ao longo dos
anos para se aceitar acriticamente que o país é assim, faz parte, não se pode
fazer nada.
Salva-se o seguinte: no
meio de tanta coisa que tem vindo a público, nada aponta para que o Benfica
tenha agido erradamente nos âmbitos ético, legal ou fiscal. O que se terá
passado a jusante, que seja investigado. E se se concluir que houve ilicitudes,
então que sejam provadas e os prevaricadores devidamente castigados.
Jornal O Benfica - 14/1/2022
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