terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Ai Portugal...

Parafraseando Machado de Assis, para quem Belo Horizonte não era uma cidade, mas uma exclamação, em certos aspectos Portugal não é um país, mas uma lamentação.

Nos últimos dias temos sido bombardeados com o conteúdo de escutas no âmbito de um processo de investigação que, se bem percebo, está ainda numa fase em que o acesso é muito limitado, restrito ao Ministério Público e, eventualmente, a partes interessadas como a Autoridade Tributária e outros. Nem sequer os visados terão conhecimento oficial do conteúdo das investigações. Certo é que a comunicação social parece estar inteirada de tudo o que tem sido feito na investigação (ou do que interessa que se saiba), ao ponto de conhecer o conteúdo das escutas efectuadas, ou parte delas.

Nada disto é novo. O segredo de justiça, em Portugal, é uma brincadeira. A doutrina vigente neste tema aparenta ser inspirada num verso da “The Fly”, dos U2, em que Bono canta “diz-se que um segredo é algo que se conta a alguém”. E alguém, aqui, trata-se da comunicação social que, em troca de um punhado de euros nas bancas e cliques na internet, escudando-se numa noção vaga de interesse público, aceita servir de ponta de lança na formação da opinião pública, fomentando-se o julgamento popular para que se condicione a justiça, o que, a acontecer de facto, é absolutamente inaceitável.

Para agravar a situação, parte significativa do que tem vindo a ser noticiado nem sequer parece estar relacionado com o processo em causa. Refiro-me a conversas privadas, nada ou, quando muito, remotamente relevantes para o que está a ser investigado, como, por exemplo, um treinador sugerir outro treinador para o Benfica. É nojento, é uma devassa ignóbil ainda mais aviltante do que aquela que foi feita com os emails roubados ao Benfica, pois, nesse caso, houve ladrões e receptadores, neste há uma fuga de informação, presumivelmente do Ministério Público, restando saber se propositada ou não, e já são demasiadas fugas ao longo dos anos para se aceitar acriticamente que o país é assim, faz parte, não se pode fazer nada.

Salva-se o seguinte: no meio de tanta coisa que tem vindo a público, nada aponta para que o Benfica tenha agido erradamente nos âmbitos ético, legal ou fiscal. O que se terá passado a jusante, que seja investigado. E se se concluir que houve ilicitudes, então que sejam provadas e os prevaricadores devidamente castigados.

Jornal O Benfica - 14/1/2022

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