No dia em que escrevo, ouvi uma história sobre um homem, o qual, já há uns 50 anos, costumava frequentar o Jardim da Parada, o “centro” do bairro lisboeta de Campo de Ourique, fazendo-se sempre acompanhar de quatro ou cinco livros, o que, muito naturalmente, suscitou curiosidade.
Quem seria? O que faria? Talvez se tratasse de um antigo aluno
de engenharia que enlouquecera de tanto estudar, porventura um dilecto professor
reformado ou mesmo um escritor desinspirado à procura de dias mais inspirados. E
lá alguém desvendou o mistério: simplesmente era um tipo que gostava de ir ao
jardim para ver as modas e passear livros, além de ser analfabeto.
Caro leitor, como já terá percebido, esta crónica é sobre irrelevâncias.
Até porque necessito de evitar a todo o custo a confissão sobre quão emocionado
fiquei – quase lacrimejei, passo a rima – com as palavras simpáticas e muito
acertadas, quem diria, do Sérgio das antevisões sobre o percurso do Benfica na
presente temporada.
Desconheço o que pensa o Sérgio dos bancos sobre o Sérgio
das antevisões, mas coisa boa não será. E nem sequer consigo imaginar o que o
Sérgio dos pós-jogos sentirá pelo Sérgio das antevisões.
Conflitos de personalidade? Não sou especialista. Jogos mentais
de vão de escada? É possível. Sinceridade? Já vi de tudo. Até um qualquer
treinador, não sei se das antevisões ou dos pós-jogos, a desculpar-se com a
ausência de reforços enquanto remete para a bancada o jogador mais caro de
sempre do futebol português. Nenhuma das versões é para levar a sério.
Mas, não só há vários Sérgios, como parece haver Varandas
para todos os gostos. Aprecio particularmente este que tem o condão de nos
relembrar que há uma distinção clara, embora pouco preponderante dos primeiros,
entre sportinguistas e lagartos.
O estereótipo de lagarto alude à imagem das touradas: ponham
vermelho à frente e já se sabe quem faz o quê. No entanto, esta imagem não vale
as palavras suficientes para que a ideia seja completa.
Aquela entrevista repleta de alarvidades do Varandas em modo
Afeganistão – nunca o Varandas em modo negócio com o FC Porto de trocas de
jogadores que ninguém ouviu falar por 15 milhões de euros daria tal entrevista
– pode ser explicada numa frase: O Sporting corre o risco de ficar em quarto
lugar e, mais relevante, há a percepção generalizada de que o Benfica será o
campeão. Tão evidente quanto previsível, até aborrece.
Reconheça-se, no entanto, que alguma coisa teria de ser
dita. É mesmo muita a areia que tem de ser atirada para os olhos (perdão, para
a vista). Ressalve-se que não uma qualquer, só proveniente do Ancão, da
Comporta, dos Salgados – em São Martinho, claro – ou de Moledo), afinal eles
dizem-se diferentes. E são-no mesmo: o poço de virtudes é tão fundo, tão fundo,
que, ao longo dos anos, se afundaram em episódios rocambolescos da mais variada
espécie. Já dizia o outro: faz o que ele diz, não faças o que ele faz.
E eis que os irrelevantes vieram todos dar à costa. Acabei
de ouvir um antigo futebolista do FC Porto cujo maior feito foi ter marcado um
golo irregular na Luz – um verdadeiro jogador à FC Porto – afirmar que não há
nada melhor do que ganhar aos mouros. Aqui está um belo exemplo da propagação
da ignorância. Mas a culpa não é dele. Os tontos que gostam de apelidar de
mouros as gentes de Lisboa, como se os mouros não tivessem ocupado toda a
Península Ibérica à excepção das Astúrias, influenciaram o rapaz e, diga-se de
passagem, sempre é melhor do que nos chamar inimigos. Por isso, merece ser
informado.
Por cá, mas também em qualquer lugarejo brasileiro, usa-se
os algarismos arábicos, perfeitos para fazer contas simples como, por exemplo, a
mais desejável 74-61. Acaso seja 71-61 ou 71-64, cá estaremos no fim sem
necessidade de calculadora, mas cientes de que, independentemente das
circunstâncias, a águia voa sempre mais alto.
Jornal O Benfica - 7/4/2023
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