Já cá faltava o recurso ao discurso bacoco de uma suposta luta contra o centralismo, de vez em quando alardeada por políticos no âmbito regional ou, quase sempre que o momento desportivo não corre de feição, pelo presidente do FC Porto.
Basta parecer que a época correrá bem ao Benfica para que
logo surjam declarações sobre os poderes concentrados na capital. É uma espécie
de pronto-a-dizer, mais do que previsível, tão estafado que só não enjoa porque
a reiteração desta ideia é sinónimo de sucesso benfiquista.
Justo é reconhecer que já ninguém liga. Claro que uns
quantos idiotas replicam o argumentário e outros tontos e pobres de espírito
acreditam no que lhes é impingido, mas a verdade é que são cada vez mais
aqueles que optam por ignorar as declarações regurgitadas.
O que faz a comunicação social, salvo honrosas excepções? Divide-se
entre bajuladores e reprodutores acríticos, em ambos os casos prestando um mau
serviço ao jornalismo. Os primeiros alegam combatividade, os segundos coisa
nenhuma dizem; os primeiros reforçam a mensagem, os segundos, ao não exporem o
ridículo que a caracteriza, legitimam-na.
E claro que, apesar de, no essencial, o teor propagandístico
versar sempre sobre o mesmo assunto e as motivações pouco ou nada variarem, há
detalhes que tornam singular cada intervenção. Desta feita, embora talvez não
seja a primeira vez, foi o uso da expressão “o nosso inimigo está a 300 kms”.
Que já não haja quem fique chocado por se chamar inimigos a,
supõe-se, concorrentes desportivos, diz muito sobre o autor da afirmação. É uma
questão de hábito. Porém, há que dizer que, por cobardia, esquecimento, lapso
momentâneo ou tique de linguagem, o tal inimigo não foi especificado.
De Vigo não será, pois lá só se lhe conhecem amigos e, em rigor,
a cidade galega fica a uns 150 kms das Antas. Põe-se a hipótese, enfim, muito
remota, de uma qualquer localidade a 300 kms do Porto albergar servidores do
Youtube nos quais estão alojadas as escutas do Apito Dourado que tão
cristalinamente demonstram com que métodos, no futebol português, se trava a
batalha ao pretenso centralismo. E muito menos provável será que se trate do
Jardim Zoológico de Lisboa, no qual, não obstante a exibição de pintos e
macacos, a inexistência de dragões suscita dúvidas, importando esclarecê-las
sem margem para contestação.
(A propósito, não tendo, no entanto, relação com o tema,
hoje li em qualquer lado que os ursos polares gritam quando evacuam. Se
tivessem o dom da palavra, talvez vociferassem contra os efeitos do centralismo
no futebol cá do burgo).
Mas o que é certo é que, a confirmar-se tratar-se do Benfica
o alvo no dislate, mais importante do que me motivar a escrever uma crónica
jocosa ou de revelar uma gritante ausência de princípios e valores desportivos,
é a constatação de que o momento aparentemente exige, do ponto de vista do
autor, união perante o tal inimigo. E olhem quem, que ainda há uma ou duas
semanas protagonizou um bate boca via comunicação social com o treinador que
contratou e mantém no cargo. É cá um apelo à união...
Jornal O Benfica - 31/3/2023
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