O futebol português é pródigo em bizarrias. A mais recente (escrevo na quarta-feira, talvez já tenha acontecido outra quando o jornal lhe chegar às mãos) foi a realização de uma assembleia-geral extraordinária da Federação Portuguesa de Futebol para se discutir e votar três pareceres sobre o palmarés do Campeonato Nacional e da Taça de Portugal.
Não se entende como a Federação aceitou sequer discutir a
situação vergonhosamente criada pelo Sporting, uma vez que a própria Federação
havia deliberado, em tempo útil, ou seja, há 84 anos, e com a concordância das
associações, sobre a natureza de cada uma das competições em causa.
O próprio processo foi absurdo: submeter à votação três
pareceres de historiadores, como se a história, depois de analisados factos e
interpretados acontecimentos, fosse passível de ser votada de acordo com
sensibilidades do momento da parte de quem, por muito voluntarismo e interesse
que tenha pela matéria em apreço, pura e simplesmente não deveria ser
competente para participar num processo deste cariz.
Convém, no entanto, realçar que a Federação actuou bem tendo
em conta o futebol que superintende. A forma como este processo se desenrolou
talvez fosse a única forma eficaz de arrumar o assunto.
Felizmente, na votação houve bom senso, pudor e honestidade
intelectual. Faltou o rigor histórico, mas não se pode ter tudo.
É extraordinário que o único parecer respeitador dos factos,
o 2, tenha merecido somente um voto favorável. Perdeu-se assim uma oportunidade
(canhestra, pois a FPF já decidiu em 1938) de se respeitar institucionalmente a
prova rainha do futebol português, iniciada em 1921/22 sob a anterior
designação “Campeonato de Portugal”, a qual foi alterada para “Taça de
Portugal” em 1938.
O parecer 1, que considero interpretar abusivamente a
natureza do Campeonato de Portugal até 1934, ano em que o Campeonato Nacional
começou, mereceu 13 votos favoráveis. E o terceiro parecer, evidentemente
revisionista e incluído a pedido, foi aprovado por 8 delegados. Sobraram 7
abstenções e 33 votos de rejeição a qualquer dos pareceres e o mesmo é dizer
que nada mudou.
À hora que escrevo os votos não são públicos (desconheço se
serão ou não), mas seria interessante perceber quem, além do Sporting, quis
vilipendiar a história do futebol português, atribuindo-se na secretaria
títulos a quem não os ganhou em campo, desrespeitando-se, pelo caminho, todos
os que, ao longo das décadas, lutaram por se sagrar campeões nacionais.
Parafraseando Agustina Bessa-Luís, são figurinhas que o país produz para que o
futebol se arrependa de as inspirar. Lamentável.
P.S.: E aquele relógio dos 23 títulos de campeão publicitado
no canal 11 da FPF? É caso para se concluir que o Sporting deverá ser o único
clube do mundo cujo merchandising inclui um relógio adiantado uns 40 anos.
Jornal O Benfica - 1/7/2022
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