terça-feira, 28 de junho de 2022

Neres

“Se não fosse pela eliminação da Liga dos Campeões na época passada, o Benfica seria agora o segundo clube preferido dos adeptos do Ajax”. Foi com esta mensagem que o meu cunhado, fervoroso adepto do Ajax portador de bilhete de época, me felicitou pela recente contratação do Benfica, David Neres.

Se entusiasmado estava, mais entusiasmado fiquei. E embora os muitos anos a ver futebol já me tenham ensinado que as expectativas elevadas geradas nas pré-épocas se esgotem no início das competições, podendo ou não serem correspondidas depois, há uma diferença fundamental do Neres para outras aquisições entusiasmantes, no passado, de jogadores brasileiros: o desempenho no Ajax, em particular na Liga dos Campeões. O talento já testado em circunstâncias extremas de ordem táctica, o que mitiga o risco de inadaptação.

No entanto, não se leia das minhas palavras a convicção de que Neres, por si só, transformará a equipa do Benfica. Mas que é uma grande contratação, disso não tenho a mínima dúvida. Gosto de extremos rápidos, sobredotados tecnicamente que, de cabeça levantada, arrisquem no um contra um e saibam, ultrapassados os defesas, o que fazer com a bola. Neres tem este perfil, assim jogue ao nível do que o vi fazer no Ajax.

E é um perfil cada vez mais em desuso no futebol estereotipado do primado da posse de bola inconsequente, dos equilíbrios, do horror às bolas perdidas, da estranheza em relação à área, quanto mais às balizas, e da estapafúrdia comparação da percentagem de acerto de passes entre defesas e avançados ou dos quilómetros percorridos, como se passar a bola, sem oposição, para o lado e para trás valha o mesmo que um passe vertical açucarado numa nesga de relvado junto da área contrária ou correr muito seja sinónimo de correr na direcção e velocidade certas.

Claro que o futebol já não é mesmo de uma das minhas primeiras memórias futebolísticas, em que um endiabrado Chalana ridicularizava defesas atrás de defesas no europeu de França, em 1984. Mesmo com o decréscimo acentuadíssimo da violência em campo, os esquemas defensivos são hoje muito mais eficazes no objetivo de parar ou manietar adversários.

No presente, é muito mais difícil ser um jogador como, por exemplo, Neres, e é por isso que os artistas devem ser estimados, algo que no Benfica demora a acontecer, salvo se aos dribles estonteantes que teimam em aparecer com regularidade anteceda a chamada garra, por mais improdutiva que seja... Aliás, deveria mesmo ser caso de estudo o tempo que Di María e Gaitán, entre outros, levaram a cair no goto da generalidade dos benfiquistas, e também a intolerância para com jogadores que arriscam e falham, contrastando com a paciência para tantos que, por não arriscarem, não falham, talvez acertem, mas nada acrescentam.

Contudo, nem tudo está perdido -perdoem-me este tique de velhice. Vejo Diego Moreira a despontar e sorrio…

Jornal O Benfica - 24/6/2022

2 comentários:

  1. Descobri este blog atraves do pelicanosaudade.blogspot.com ( que adorei ler, apesar de ja estar "morto"). Continuarei a seguir pq faz falta gente que escreva bem e com paixão sobre o nosso Sport Lisboa e Benfica. Forte abraço

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