A última peça do famoso dramaturgo Molière é intitulada “O doente de cisma”. É uma comédia em que o personagem principal é hipocondríaco e, por isso, pretende que a filha se case com um médico para que possa poupar nas despesas de saúde. O mais caricato é que, passada uma semana da estreia da peça, quando se realizou a quarta sessão, Molière desmaiou e faleceu pouco depois. O povo pode resumir a moral deste acontecimento a uma frase: “não se deve chamar o azar”.
Não sou dado a
superstições nem a mezinhas, logo este é dos axiomas populares a que não
atribuo qualquer valor. Mas existe, de facto, “chamar o azar” enquanto imagem
de atitudes ou enquanto explicação simplista, e à posteriori, de causas que
levam a consequências.
No domínio das
atitudes enquadram-se os mal-intencionados, seja por feitio ou por interesses
próprios (não confundir com os adeptos, as suas ânsias e pessimismos). São
aqueles que se julgam mais relevantes do que na realidade o são e que procuram
disfarçar de opinião inconfessáveis desejos. Inconscientes da sua
insignificância, acham que, por reiterarem uma ideia e propalarem-na sob
diversas capas, por mais ridículas que sejam, a realidade encarregar-se-á de
lhes dar razão.
O Schmidt isto, o
Schmidt aquilo, e para usar uma expressão popular, por agora “metem a viola no
saco”. Claro que se o Benfica não vier a atingir os seus objectivos, esses
serão os primeiros a tocar os acordes do “eu tinha razão”, mas essa já a
perderam. Quem os ouvisse, por esta altura o Benfica estaria fora das
competições europeias e afastado da luta do título. E continuam a ser pagos,
digam o que disserem sabe-se lá com que motivação ou propósito.
A outra variante
está relacionada com a explicação simplista dos acontecimentos. Por exemplo,
esta semana o treinador do FC Porto aludiu à expulsão de Fábio Cardoso na Luz e
de Pepe em Alvalade para justificar, pelo menos em parte, as derrotas em ambos
os jogos. Claro que nesta ponta da Europa onde tanto se diz adorar o futebol,
mas que se fala tão pouco do mesmo, não ocorreu a qualquer jornalista, mesmo
aqueles que não abraçam o treinador do FC Porto a seguir a uma conferência de
imprensa, perguntar se a razão dessas expulsões não seria de ordem táctica e/ou
mental. Deixaram, cordialmente, que ficasse no ar um espectro de suspeição
quanto às arbitragens, apesar de, como é evidente, não ser esse o caso.
O que Sérgio
Conceição fez foi, agora simplifico eu, “chamar o azar”. Fê-lo na Luz ao deixar
Neres e Rafa em situações de um para um em transição e fê-lo em Alvalade ao
continuar a confiar num jogador que, quanto mais as qualidades definham, mais
expostas ficam as debilidades, que no caso de Pepe se trata de descontrolo
emocional com apetência para comportamentos violentos só sustentável devido à
complacência de árbitros.
Retorno ao
“chamar o azar” das superstições: não me diz nada. E por isso não tenho pejo em
admitir que estou convicto de que o Benfica será campeão. A boa exibição em
Braga não surgiu de geração espontânea, tratando-se antes do mais recente
episódio de um período em que equipa tem estado bem, mesmo em jogos com
resultado adverso, e que acredito que perdurará até final da época.
Jornal O Benfica - 22/12/2023
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