Que o futebol português é pródigo em fenómenos do Entroncamento, localidade que nunca sequer teve um clube ao mais alto nível, já todos o sabemos. Ainda assim não deixa de ser extraordinária a sua inesgotável capacidade para nos surpreender.
Um exercício que deveria ser relativamente pacífico – a
escolha do melhor jogador de um campeonato – que, feitas e refeitas as
análises, se cingiria à opção entre dois ou três dos futebolistas que mais se
distinguiram ao longo da temporada, é transformado, pelo absurdo do escolhido,
em mais um episódio que contribui para a ideia de que um interesse particular
se sobrepõe à integridade das decisões.
Interesse esse que, neste caso, parece óbvio: a valorização
do passe de um jogador, sem dúvida muito bom, apesar do feitio, das atitudes e
do comportamento, ao serviço de um clube tido como necessitado de realizar
vendas rápidas para cumprir o fairplay financeiro da UEFA.
Não há, obviamente, qualquer elemento que comprove esta
teoria, mas as suspeitas são legítimas. Repare-se: eleger quem mais se
distinguiu na Liga pode obedecer a vários critérios, tais como golos,
assistências, peso no desempenho (de acordo ou acima das expectativas) da
equipa que representa, qualidade exibicional, regularidade, etc. E, para
esbater o efeito temporal, uma vez que as memórias mais recentes prevalecem, há
a possibilidade de recurso aos prémios mensais para se constatar quais foram os
jogadores premiados durante a época.
Tanto para analisar, nada que valide a escolha. Otávio não
se distinguiu em qualquer dos itens estatísticos apresentados no site da Liga à
excepção das assistências, no qual integra o grupo dos terceiros (fez 7
assistências e apontou 5 golos). E, para cúmulo dos cúmulos, o cuspidor não
ganhou qualquer prémio de jogador do mês ao longo da época. Pior: nem sequer
foi um dos três mais votados em cada prémio mensal.
Expectável seria que Otávio nem sequer fosse considerado
para o 11 do ano. Não foi um dos três mais votados em cada mês, não marcou
muitos golos, houve quem fizesse mais assistências e fez parte de uma equipa
cujas exibições não agradaram a quem quer que fosse, nem sequer ao mais
empedernido dos adeptos do seu clube. E não se sagrou campeão.
Lunática distinção, para ser simpático. E, por isso, até
porque é improvável que todos tenham enlouquecido de repente, não há como,
mesmo sabendo do teor conspirativo desta convicção, não acreditar que o lobby
esteve em alta por estes dias.
Agradeço, no entanto, que este tenha sido o resultado. É
sempre bom que nos recordem, de vez em quando, quão movediças são as areias em
que nos movimentamos.
Jornal O Benfica - 30/6/2023
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