Muito se tem recomendado A Peste, de Camus, ou O
Diário da Peste de Londres, de Daniel Defoe, e eu também quero contribuir, propondo
o Némesis, do Philip Roth, em que o notável escritor descreveu o impacto, na
comunidade, do surto epidémico de poliomielite ocorrido em Newark, em 1944. E
já que estamos numa espiral de recomendações literárias, apesar de, infeliz e,
creio, tragicamente, não haver assim tantos leitores, prossigamos nessa senda.
No meu caso, confessando-me um privilegiado, as minhas
referências literárias para enfrentar a pandemia remetem-me, também, para o
Camus, mas ao ensaio O Mito de Sísifo, pois é como Sísifo que me sinto
diariamente ao tratar da máquina de lavar loiça, tarefa que me foi atribuída
por mera apetência organizacional e total inaptidão culinária, oferecendo-se a
coincidência de ter de me caber alguma tarefa doméstica e de alguém ter de
tratar da loiça.
E ainda, por ter mais tempo em mãos do que o costume, aconselho
a Apologia do Ócio, do Robert Louis Stevenson. Se tenho agora algo de
sobra, esse é o tempo. O que, num certo sentido, ou mesmo em vários, se trata
de uma dádiva. Tempo para o ócio, entendido por oposição ao trabalho. Tempo
para ser, estar, pensar, nada fazer ou nada produzir, além do meu bem-estar e
satisfação.
Não admira, portanto, a celebridade de Stevenson (escreveu
mais umas coisitas) e a seguinte história envolvendo-o inadvertidamente: Depois
de morrer, a sua ama de infância começou a vender o cabelo do escritor que lhe teria
cortado e guardado religiosamente durante décadas. Vendeu o suficiente para
estofar um sofá, contou Julian Barnes. E isto fez-me pensar nos diários
desportivos em tempos de quarentena, fazendo pela vida...
Jornal O Benfica - 17/04/2020
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