Optimista, me confesso, nunca hei-de entender plenamente o benfiquismo autofágico. A mentalização, dos pessimistas militantes, para lidarem com uma eventual decepção no futuro é compreensível; já a irritante predisposição para, confirmadas as propaladas desgraças, logo se recolherem louros por uma suposta capacidade premonitória (só evocada quando se acerta), nem por isso.
Não está em causa o arrebatado amor pelo clube, a dedicação
ou o enorme desejo de sucesso e conquistas, pelo que estranho ainda mais, por
tão recorrente, que estes benfiquistas em tudo vejam defeitos e que quase nada os
satisfaça. Chamam-lhe exigência, mas é outra coisa qualquer. Algumas das
reacções à estreia de Otamendi são exemplificativas do que estou a tentar
explicar.
Saiu Rúben Dias, entrou Otamendi. Por conseguinte, Rúben
Dias foi imediatamente elevado ao estatuto de Humberto Coelho, enquanto que, a Otamendi,
já só deveria restar o Chipre ou a Arábia Saudita.
A exibição categórica de Otamendi na primeira parte ante o
Farense, no seu primeiro jogo da época passados escassos dias da chegada a
Portugal, motivou, diria à falta de melhor expressão, uma decepção feliz nesse
tipo de benfiquistas. Otamendi mostrou todos os seus excelentes atributos e
eles, desconfiadamente, pensaram “talvez sirva”. Com o desacerto na segunda
parte ressurgiu a má vontade e o lamento “Com o Rúben isto não teria
acontecido”. Não interessa que Rúben Dias, não obstante o seu enorme valor como
futebolista, tenha sido o protagonista de diversos lances infelizes (de resto, como
qualquer outro defesa central). Ou que tenha sido mais que evidente a falta
sobre Otamendi no segundo golo do Farense. Só a “exigência”, como a apelidam.
Jornal O Benfica - 9/10/2020
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