Os últimos meses têm sido, para os
interessados no “futebol negócio”, pródigos em notícias e afirmações
surpreendentes, algumas delas encaradas com alguma perplexidade por quem se
dedica a analisar esta vertente do desporto rei em Portugal.
A contratação do carismático Jorge Jesus pelo
Sporting para exercer o cargo de treinador da sua equipa principal foi uma das
que fez correr mais tinta, não só por ter comandado o rival histórico nas seis
temporadas anteriores, como pelos montantes envolvidos. Recordo que, quando
liderava os encarnados, era comum a chamada de atenção para a presença de Jorge
Jesus no top10 dos treinadores de futebol mais bem pagos no mundo, o que não
deixava de ser inusitado por se tratar do futebol português, onde os recursos
são escassos quando comparado com outros países europeus.
Hoje, com um aumento de 25% do ordenado
(5M€/ano), num Sporting, aparentemente em recuperação financeira, mas ainda com
menor capacidade de investimento que Benfica e Porto, o seu vencimento é ainda
mais surpreendente. É certo que, no futebol, desde que se ganhe, estes aspectos
são pouco relevantes, além de que, desde que as obrigações e os compromissos
sejam cumpridos, ninguém, a não ser os accionstas da Sporting, SAD, terá alguma
coisa a ver com isso. No entanto, noto, no tom do discurso do presidente
sportinguista, o ar professoral com que aborda as questões da gestão financeira
e desportiva do seu clube e do futebol em geral, dando a impressão que se julga
um génio nestes domínios, além de uma certa tendência para traçar cenários
idílicos sobre o presente e o futuro da sua instituição, nomeadamente quando
comparados com o passado recente, evocando alguns indicadores que, sem a devida
contextualização, poderão induzir em erro os mais desatentos.
Refiro-me, concretamente, ao resultado
líquido apresentado no final do exercício passado (19M€), conforme analisado em
crónicas anteriores (Proveitos financeiros irrepetíveis decorridos da
reestruturação financeira; Não constituição de provisão face ao processo
Rojo/Doyen; Peso muito significativo da presença na fase de grupos da Liga dos
Campeões no total das receitas). Ora, tendo em conta os proveitos operacionais excluíndo
transacções de passes de jogadores da SAD sportinguista em 2014/15 (58,4M€),
verificamos que, mantendo-se esse valor na presente temporada, cerca de 8,5%
seriam gastos no salário de Jorge Jesus.
Até a comunicação social desportiva,
geralmente pouco propensa a colocar questões desta natureza, estranhou o
montante a que a Sporting, SAD se propôs a investir na contratação do seu novo
técnico, o que nos permitiu conhecer o racional que esteve na base desta
decisão: O forte investimento em Jorge Jesus tornou-se possível porque optou-se
por contratar menos um ou dois atletas e pela presunção de que, com um técnico
com provas dadas, o sucesso desportivo e a valorização dos passes de atletas
serão mais prováveis.
Para já, por se tratar de uma avaliação que
seria extemporânea, não convém tirar conclusões, mas há um dado que merece ser
considerado: O Sporting não alcançou o apuramento para a fase de grupos da Liga
dos Campeões. Comparando com a época transacta, além do aumento em cerca de 4M€
nos custos com o vencimento do seu treinador principal, verificamos já uma
diminuição acentuada nas receitas operacionais (em 2014/15, a Sporting SAD
obteve cerca de 15M€ com a participação nas competições europeias), além da
perda de visibilidade dos seus principais activos devido à ausência da fase de
grupos da principal prova europeia. Neste contexto, será necessário um enorme
esforço para repetir os resultados operacionais positivos sem transacções de
jogadores (6,3M€) ou a provável redução de qualidade do plantel para voltar a
atingir os 23,5M€ positivos nos resultados operacionais (17,2M€ nas transacções
de passes de jogadores em 2014/15).
Acresce que, no âmbito dos patrocínios e
publicidade, prevê-se uma descida significativa das receitas, uma vez que o
Sporting não apresentou ainda patrocinador principal para as suas camisolas. De
resto, um problema vivido também a norte, com o F.C. Porto, um caso ainda mais
surpreendente devido à sua presença constante na Liga dos Campeões e à sua
regularidade assinalável na conquista de títulos nacionais.
Este é, a meu ver, o assunto mais merecedor
de reflexão na presente temporada. Bruno de Carvalho revelou, num programa de
televisão, o que motiva a ausência de patrocinador nas camisolas da equipa
principal de futebol do seu clube: “O Sporting não quer desvalorizar a sua
marca”. Ou seja, as propostas de potenciais patrocinadores, a terem existido,
não se aproximaram dos valores pretendidos pelo Sporting. Não lhe foi
perguntado que valor será esse, nem acredito que respondesse a uma questão
dessa natureza. Sabe-se, no entanto, que BES e PT distribuíram patrocínios
“salomonicamente” pelos “três grandes” no passado e existe uma noção aproximada
do contrato que liga a Fly Emirates ao Benfica.
Sporting e Porto, habituados que estiveram ao
presumível receio destes patrocinadores em “tomar partido” (“regra” quebrada
pela Sagres há três anos), vêem-se agora na contingência de serem ultrapassados
pelo Benfica neste aspecto, tornando visível nos números aquilo que é já há
muito sabido, mas nunca reconhecido, da maior capacidade de gerar retorno para
os patrocinadores por parte dos “encarnados”. A crise vivida nos últimos anos
foi, neste aspecto, extremamente benéfica para o Benfica, ao obrigar os
patrocinadores a racionalizarem os seus recursos em detrimento da postura adptada
anteriormente, em que o não querer ferir susceptibilidades imperava,
desvirtuando assim a lógica do negócio. Acresce o já referido patrocínio da Fly
Emirates, uma marca global, por montantes que, segundo se julga saber, são
muito superiores aos anteriormente praticados em Portugal.
Compreende-se, então, algumas declarações
estranhas por parte de responsáveis sportinguistas e portistas. Carlos Vieira,
Vice-Presidente do Sporting, afirmou em Maio deste ano que existia a possibilidade
do Sporting angariar um patrocinador jogo a jogo, chegando, inclusivamente, a
avançar o montante global anual de 3,25M€ como exemplo, muito distante, no
entanto, dos 8 a 10M€ aventados pela comunicação social do patrocínio da Fly
Emirates ao Benfica (que inclui equipa B, camadas jovens e objectivos não
divulgados). Propunha-se, portanto, a reinventar a roda, o que não seria caso
virgem com bem sucedido em Portugal como se vê com o modelo de exploração dos
direitos televisivos empreendido pelo Benfica, através da BTV, o canal detido
pela SAD benfiquista.
Mas não foi só em Alvalade que foram feitas
declarações inusitadas sobre este tema. Fernando Gomes, administrador da SAD
portista, referiu, em linha com a afirmação de Bruno de Carvalho no programa “Prolongamento”
da TVI, que "o 'main sponsor' deixou de ser imperioso. Deixou de ser
imprescindível, porque os resultados dão-nos a solidez necessária para não
precisar de vender a nossa imagem de qualquer forma. (…) Não vale a pena fazer
cedências por pouco". Faz sentido, mas evocou o aumento das receitas de
merchandising no presente exercício, nomeadamente devido à venda de camisolas
de Iker Casillas, o que indicia, do meu ponto de vista, querer “tapar o sol com
a peneira”.
Embora eu, avaliando o desempenho financeiro
da SAD portista, não consiga descortinar a propalada saúde financeira (válido
para qualquer das SADs portuguesas), admito que Porto e Benfica especializaram-se
em reinventarem-se ano após ano e viabilizarem, dessa forma, um modelo de
negócio fortemente alavancado em capitais alheios, aproximando-os
desportivamente de clubes europeus com capacidade de investimento notoriamente
superior. Não creio, no entanto, que o aumento da venda de camisolas de Casillas
possa, sequer, mitigar o impacto da perda de uma receita tão significativa
quanto a que resulta do “main sponsor”.
O modelo é simples e comum a quase todos os
clubes: As camisolas são adquiridas ao fornecedor por metade do preço
recomendado de venda ao público, mais IVA. Ou seja, se uma camisola é vendida
por 80€, significa que o lucro, sem contar com custos de armazenamento e
distribuição, rondará os 30€. Para se chegar a 3M€ anuais (valor de referência
de acordo com as declarações do VP sportinguista), seria necessário, grosso
modo, vender 100 mil camisolas. Tendo em conta ainda que as receitas totais de
merchandising da SAD portista em 2014/15 não chegaram aos 4M€ (cuja gama de
produtos vai muito além das camisolas), cada um que tire as suas conclusões…
Vida Económica - 23/10/2015