terça-feira, 21 de abril de 2020

Quarentena IV


Muito se tem recomendado A Peste, de Camus, ou O Diário da Peste de Londres, de Daniel Defoe, e eu também quero contribuir, propondo o Némesis, do Philip Roth, em que o notável escritor descreveu o impacto, na comunidade, do surto epidémico de poliomielite ocorrido em Newark, em 1944. E já que estamos numa espiral de recomendações literárias, apesar de, infeliz e, creio, tragicamente, não haver assim tantos leitores, prossigamos nessa senda.

No meu caso, confessando-me um privilegiado, as minhas referências literárias para enfrentar a pandemia remetem-me, também, para o Camus, mas ao ensaio O Mito de Sísifo, pois é como Sísifo que me sinto diariamente ao tratar da máquina de lavar loiça, tarefa que me foi atribuída por mera apetência organizacional e total inaptidão culinária, oferecendo-se a coincidência de ter de me caber alguma tarefa doméstica e de alguém ter de tratar da loiça.

E ainda, por ter mais tempo em mãos do que o costume, aconselho a Apologia do Ócio, do Robert Louis Stevenson. Se tenho agora algo de sobra, esse é o tempo. O que, num certo sentido, ou mesmo em vários, se trata de uma dádiva. Tempo para o ócio, entendido por oposição ao trabalho. Tempo para ser, estar, pensar, nada fazer ou nada produzir, além do meu bem-estar e satisfação.

Não admira, portanto, a celebridade de Stevenson (escreveu mais umas coisitas) e a seguinte história envolvendo-o inadvertidamente: Depois de morrer, a sua ama de infância começou a vender o cabelo do escritor que lhe teria cortado e guardado religiosamente durante décadas. Vendeu o suficiente para estofar um sofá, contou Julian Barnes. E isto fez-me pensar nos diários desportivos em tempos de quarentena, fazendo pela vida...

Jornal O Benfica - 17/04/2020

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